As duas mulheres não caminhavam.

Não. Elas não estavam caminhando. As duas mulheres simplesmente iam. Para onde? Eu não sei. Nem elas seriam capazes de dizer. Elas apenas iam.

Arrastando malas pesadas, ainda coloridas, agasalhadas e com passadas sombrias... elas iam.

Abandonando suas histórias, suas vivências, seus empregos, sua parentela, amigos, antigos ou mesmo novos amores. Os filhos – se houverem – abandonando suas escolas, seus professores queridos (sim, quando crianças, os alunos admiram os seus professores!) e os amiguinhos de brincadeiras antes engraçadas e inconsequentes. Abandonando aquelas boas amizades do passado e do presente... ora, o presente.

Numa guerra o presente como presente da existência desaparece.

Aquelas mulheres iam. Eu as vi na foto colorida da revista. Não vi os seus rostos. Certamente lágrimas escorriam com intensidade daqueles rostos entristecidos e doridos. Mas aquelas duas mulheres foram e irão aos milhares, milhares, milhares. Crianças que choram. Mães que não sabem se poderão amamentar ou acariciar os cabelinhos ralos das cabecinhas ingênuas das suas abençoadas crias. Pessoas doentes, cadeirantes também foram e irão. Idosos, desesperançados, indignados, humilhados, ofendidos até a essência da alma.

Como foram os nossos irmãos e irmãs sírios, os nossos irmãos e irmãs africanos, na tentativa desesperada de entrar na Europa... todos fugindo, fugindo... fugindo, meu Deus!!!

Fugindo da insanidade, da loucura empoderada, de todas as formas de miséria moral que se instala nos governos autoritários, na lógica adoecida do sistema.

Quantas lágrimas haverão de salgar o Mar Negro e tantos outros rios e mares e lagos...

Não é hora para poesias. Não! Eu me recuso poetizar sobre as dores e horrores de uma guerra. Eu vejo a miséria humana mais uma vez ganhando corpo, espaço, intensidade e desespero. Além do medo, das constantes interrogações, daquelas perguntas distantes, totalmente distantes de alguma resposta plausível.

Que o mundo resista! Que as pessoas que ainda têm alguma empatia, algum espírito de altruísmo, de serenidade, de espiritualidade resistam. Resistam sim. Resistam sempre.

Exercitando o amor genuíno, abandonando os seus preconceitos, se aproximando dos mais simples, partilhando o sorriso, a esperança e, claro, a comida. Sempre fazendo valer alguma fé e esperança.

E que o sonho, a construção de uma nova era seja feita de objetivos definidos, ações humanitárias, discutidas, pensadas, sentidas sobretudo. Que haja serenidade nos diálogos. Dos governos eu nada espero, pois quem está no poder é do mesmo tecido social que eu e você.

Então, que tenhamos coragem de sermos honestos, simplesmente humanos, de coração pulsante, dispostos a uma gentileza, a um eventual abraço, a ouvir... e sempre partilhar.

Não há o que se esperar dos donos do poder. Esperar que sejam cuidadores do mundo? Não. São apenas cuidadores do capital, dos seus negócios e das suas elites. Mas nós que compomos a sociedade civil, que tenhamos a humildade, o respeito, a alteridade e a compaixão para resistir.

Aquelas mulheres da foto iam. Como milhares vão. Como milhares de crianças perguntarão. Como milhares de idosos terão como única certeza a própria morte. Mas uma morte na solidão, na escuridão, em outras terras, sem uma história emocional para iluminar seus últimos dias. Homens – aos milhares – também vão. Para onde, meu Deus???!!

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 04/03/2022
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