O LIMITE DA HONRA E AS FRONTEIRAS DO HUMOR

No domingo o mundo assistiu incrédulo a cena do Will Smith dando um tapa em Chris Rock durante a cerimônia de entrega do Oscar. No grupo de comediantes, onde fiquei sabendo do fato em primeira mão, os participantes se perguntavam se era de verdade ou encenação (uma mistura de meme de Batman dando um tapa no Robin com Dona Florinda batendo no Seu Madruga).

Fui pesquisar em busca de notícias que pudessem me informar o que havia acontecido. O assunto rapidamente se tornou pauta nas redes sociais, inundada de discursos que visavam justificar a agressão perpetrada por Will Smith.

Achei curioso que a mesma sociedade que algumas semanas atrás condenava Maria do BBB 22 pelo episódio do balde, agora aplaudia a agressão do Will Smith, e, pasmem, com o discurso de defesa da honra do século retrasado.

Diante de tantos discursos a favor da família, que mais lembravam o impeachment da Dilma na Câmara dos Deputados, meu interesse era saber o que exatamente tinha sido falado.

Quando cheguei a piada pura, despida dos filtros dos interlocutores intermediários, não encontrei qualquer conotação depreciativa. A piada de Chris Rock é: "Jada, te amo, G.I. Jane 2, mal posso esperar para ver" fazendo referência a um filme protagonizado por Demi Moore em que a atriz aparece de cabeça raspada por estar servindo o exército.

A comparação não é feita como algo pejorativo ou depreciativo, pelo contrário, visto que a protagonista do filme é uma figura feminina forte e determinada. Se a comparação fosse com a intenção de ofender, seria melhor compará-la com o personagem Walter White de Breaking Bad, ou com Arthur Aguiar que tem o cabelo raspado e pulou a cerca no casamento.

Se quisesse fazer piada ofensivas à condição da Jada, Chris Rock diria “Ei, Jada, belo corte de cabelo. Posso imaginar a felicidade do Will ao não encontrar mais tufos de cabelo do ralo do banheiro. Se bem que ele deve ter perdido a diversão de bater uma no banho e ver a porra indo embora grudada num fio do tufo de cabelo que nem um tarzan de semen indo pro esgoto. O Will revelou que sem o som do prestobarba na parede, o dia de transar é sempre uma surpresa.”

Se eu fosse o Chris Rock e soubesse que ia levar um tapa teria feito estas piadas, pra sentir no fim que valeu a pena. E depois do tapa diria: “Levei um tapa do Will Smith. Ele bate que nem um branco num campo de golfe. É fácil entender porque não ganhou o Oscar interpretando o Muhammad Ali.”

O Will Smith, óbvio, ia subir de novo no palco e dar um soco no Chris Rock, ao que ele responderia: “Pelo visto fiz piadas mais cabeludas que o alienígena de Independence Day, ele apanhou só uma vez!”

Minha imaginação foi longe, mas apenas para dar exemplo de piadas que realmente seriam ofensivas, diferente da piada do Chris Rock que não tinha qualquer viés depreciativo. Evidente que pelo assunto ser sensível, tanto Jada quanto Will podem se sentir ofendidos, porém o direito de se sentir ofendido não torna a agressão um ato legítimo.

Da mesma forma que os discursos recheados de supostos valores morais também não legitimam a violência, apenas revelam os instintos mais primitivos de pessoas que condenam a guerra do presente, enquanto comemoram a guerra do passado, porque está lhe forjou os valores que fazem acreditam que a sua violência é legítima.

Will Smith já se manifestou buscando se retratar e pediu desculpa ao Chris Rock pelo episódio, enquanto isso temos defensores da honra que ainda não conseguiram admitir o erro do outro, que seguem na tentativa de justificar a violência em nome da sua subjetiva “honra”.

Muitos homens que nas redes sociais defendem a honra da mulher, mas que no mundo real, num tapa, perderiam ela pra um mendigo…