Fachina

Domingo, dia de folga...que nada, para Fernanda, dia de fachina.

Sua agenda de manicure e pedicure em um salão no centro da cidade e os dois filhos adolescentes, lhe tomavam toda semana. Chega exausta do trabalho, organiza a casa, faz o jantar e em meio á isso tudo, ordena aos filhos (inúmeras vezes),que largue seus celulares e faça as tarefas escolares; uma luta diária.

Naquele domingo, resolveu que faria uma fachina no guarda-roupas antigo que herdou de seus pais, já falecidos. Herdara também, a velha casa onde vivera até se casar. Depois de organizar gavetas, por as roupas já passadas em seus lugares, olhou para cima e pensou: há anos não limpo esse maleiro... com ar de desânimo, abriu-o; uma bagunça total, como já imaginava. Tirou todas as coisas e se perguntou como tudo aquilo coube em tão pouco espaço.

Tinha de tudo, desde brinquedos quebrados, a blusas velhas e puídas, lençóis e fronhas, que foram de sua mãe, ferro de passar estragado malas, sacolas, enfim, tudo que insistimos em guardar pensando que podemos precisar, mas esse dia nunca chega.

Entre esses "guardados" Ela encontrou um pequeno baú de madeira que sua mãe havia lhe dado na época da adolescência. Ele tinha uma pequenina chave dourada, agora, um dourado descascado, que ela girou levantando sua tampa. Alí ainda estava suas "joias" anéis, pulseiras, colares, papéis de balinhas com mensagens de amor, uma embalagem de sonho de valsa e uma carta de amor que as traças não perdoou, deixando-a quase ilegível. A nostalgia tomou conta de Fernanda... o nome dele era Renato, o rosto dele lhe veio à mente. Cabelos negros e encaracolados, olhos grandes e negros, dentes muito brancos e bem alinhados e quando sorria, fazia covinhas nas bochechas. Ela e todas as garotas da escola o achavam o máximo, mas ele só tinha olhos pra ela.

Sentada na beirada da cama, ela deu um sorriso tristonho, lembrando de como ficava mal humorada nos finais de semana, tudo era motivo para reclamar, bater porta, nada estava bom. Mas quando enfim, a segunda-feira chegava, seu humor voltava como em um passe de mágica. Levantava cedo cantando, se esmerava no cabelo e na roupa, se perfumava e lá ia ela, de coração disparado... Renato... Renato...

Foram dois anos assim, um namoro que não era namoro, mas também não era amizade. Nunca se viam fora da escola, se encontravam no recreio, sempre com outros colegas, no ginásio de esportes. Às vezes pegavam na mão, se olhavam intensamente e só. Ela agora, conta nos dedos, quantos beijos foram trocados... quatro, todos escondidos, na época para os dois, foram beijos, mas na verdade, foram apenas um roçar de lábios, o medo de serem flagrados, era enorme!

Fernanda abre com cuidado o papel já bem frágil e vê consternada, que pouco sobrou da carta, só um pequeno fragmento do sentimento daquele que seria seu primeiro amor:

" Se você quiser voltar, deixei a

porta encostada, não precisa forçar, é só empurrar. Se resolver entrar, vou fechar de um jeito que jamais vai conseguir sair."

Eles haviam brigado, ela não lembra o motivo, era final de ano, estavam nas provas finais. No ano seguinte, foram para o segundo grau, em escolas e bairros diferentes, o tempo passou e nunca mais se viram. Se perguntou: Será como está ele agora? Está casado? É feliz? Melhor deixar o passado onde está. Fernanda termina a fachina com lágrimas nos olhos e gosto de saudade na boca. Sentada no sofá, na mão, uma taça de vinho, á frente, a TV ligada. Olha o relógio na parede, as crianças estão pra chegar... final de semana com o pai.

Nalú De Fátima Oliveira

naluz
Enviado por naluz em 21/05/2022
Código do texto: T7520807
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