ARMAZÉNS E BOTECOS DA VELHA CURITIBA

Velhos casarões insistem em manter-se entre modernos edifícios. Neles, habitam antigos fantasmas remoendo um passado não tão distante. O cheiro característico dos “secos e molhados” ainda baila entre balcões de madeira brilhantes, lustrados pelos cotovelos do tempo.

“Fiado só amanhã” dizia a placa pendurada na parede traçada de caminhos desenhados pelos cupins, mas cuja generosidade dos negociantes não a levava tão a sério.

Voltamos no tempo para recordar dos velhos armazéns e botecos da antiga cidade. Uma Curitiba perdida no tempo, provinciana, cercada pelos campos adjacentes do Capão Raso e Cajurú e pelas colônias de duas Santas: Felicidade e Cândida.

No Bigorrilho, os Armazéns do seu Gregório, na Rua Euclides da Cunha e do seu Basílio, na Júlia da Costa, ficavam não muito distantes do estabelecimento dos irmãos Darif, na Rua Jacarezinho, esquina da Cândido Hartmann.

Na Santa Quitéria, o seu Scuissiato mantinha uma enorme gaveta pendurada no balcão onde guardava os “cadernos”. Cada freguês tinha um caderno e nele anotadas as compras e os valores a pagar. Impressionante a seriedade da clientela de outrora. Todos cumpriam com a responsabilidade de quitar suas compras regularmente e manter seu crédito. Fosse nos dias de hoje...

No Estribo Ahú, no Armazém do Krasinski, meus pais faziam a compra mensal.

- Vamos fazer o pedido, dizia seu Gaspar tomando lugar à mesa munido de papel e caneta. A lista sempre começava com os mesmos itens e na mesma sequência: açúcar, arroz, feijão, macarrão, milho, massa de tomate. Dali para frente uma relação aleatória. O açúcar tinha prioridade explicada: seu Gaspar era um formigão inveterado. Por sorte, não tinha diabetes.

No Ahú, Rua São Sebastião, dominavam a clientela o Bonato (Antônio Francisco Bonato) e o Burigo (Ildefonso Burigo). Os fofoqueiros do bairro diziam que faziam concorrência para ver quem explorava mais a vizinhança. Pura maldade, ambos, gente da melhor qualidade.

Espalhados pela cidade outros tantos armazéns. No Juvevê, Armazém Bonfim, Coleto no Bacacheri, Aroldo no Alto da XV, Fantinato no Taboão, Alberto no Cristo Rei.

Ainda temos os sobreviventes Armazém Santana, no Uberaba, com muitas e deliciosas comidinhas de boteco, e o Armazém Fantinato, no Taboão, cujo carro chefe é a famosa “carne de onça”.

Sobre os balcões dos velhos armazéns e botecos vidros com rollmops, salsichas desbotadas e ovos amarelos que, para degustá-los havia de ser fazer um Pai Nosso e uma Ave Maria à guisa de proteção.

Na porta de entrada tamancos, enxadas, penicos misturados com picaretas, ancinhos e outros apetrechos.

Sempre havia um cantinho para os pinguços “matarem o bicho” com um trago de Trevisan ou de Jamel, cachaças de qualidade duvidosa, cuja dose era servida num copo que atendia pela alcunha de “martelinho”.

Ah! Estava me esquecendo do Bar do Tatu, na Monsenhor Celso e do Bar dos Bandidos, na Praça Tiradentes. Nesse último carecia-se de uma dose maior de coragem para se adentrar; sua clientela, pouco amistosa, recomendava mais cautela e juízo para quem o quisesse frequentar.

- Por favor, vê para mim um “Jesus me chama” e um martelinho dose dupla, pedia o freguês. E lá vinha um bolinho, supostamente de carne, e uma dose de Jamel.

Benza Deus! O que não mata, engorda.

CLEOMAR GASPAR
Enviado por CLEOMAR GASPAR em 29/06/2022
Código do texto: T7548519
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