O PECADOR

Domingo de sol, a churrasqueira do Arnóbio já estava pronta para receber os primeiros pedaços de contra-filé, linguiça e bisteca de porco. Ninguém ali era cozinheiro profissional mas no desejo de tomar umas geladas era de bom alvitre um bom acompanhamento, além do mais o estádio era lugar comum para todos na tarde que viria rápido. O time do coração faria sua primeira partida no campeonato, na cidade de nosso personagem. Alguns pedaços de carne mais tarde e depois de umas tantas latas do alcoólico líquido gelado, o coração já pulsava a mil... o som estava agora a todo volume e músicas de torcidas organizadas já se faziam presentes em todo lugar. O clima do jogo decididamente estava formado.

Todos ao estádio na Kombi do Zequinha; o caminho não era muito longo mas pela quantidade de gente embarcada o veículo que não era bombril mas tinha mil e uma utilidades parecia jumento com preguiça. Os pneus meio que arreados

davam mostras do cansaço da velha companheira, o motor parecia gripado tal o roncado numa aceleração mais entusiasmada. Uns quatro papudinhos desceram do veículo e foram para o empurrão que daria início a jornada. O carro finalmente se moveu e todos rapidamente pularam dentro depois de muita ovação. O som do carro era péssimo e nem dava para saber quem estava fazendo os comentários do jogo na rádio da cidade. Mas não importava muito, o negócio era chegar no estádio. O calor era insuportável no interior do veículo e foi recomendado que ninguém fumasse, não para proteger a saúde de quem quer que fosse mas para evitar uma explosão, pois o Zequinha ainda não tinha conseguido uma verba adicional para instalar um kit de GNV. Era gás de cozinha mesmo. O cheiro de gás estava insuportável e misturado por algumas liberações de metano pela galera que consumiu a cachaça da bodega do Genival; falam que é batizada, tornava o ambiente tão perigoso quanto a faixa de Gaza lá pelas bandas de Israel. Afinal de contas tínhamos vários homens-bomba bem alojados em um minúsculo espaço e adicionados ao combustível proibido. Alguns até faziam orações, coisa esquecida há muito tempo. Muitas Ave Marias e Pai Nossos depois a "mimosa" deu conta do recado mais uma vez e entregou a carga explosiva na porta do Bicudão, como era conhecido o estádio municipal. O fedor proveniente do interior do carro não faria inveja a caminhão de lixo nenhum e alguns torcedores na descida estavam até meio que, esverdeados... mas como era a cor do time da casa ninguém ligava se era pintura ou não.

A fila para entrar seria outra penitência a ser paga por todos; os moradores da cidade em peso pareciam se encontrar no estádio. Era gente de todo jeito, alguns em traje social para o grande evento, outros chegando de pau de arara, jumento, cavalo, carroça, bicicleta... o estacionamento estava lotado.

Arnóbio, meio fora de forma já sentia câimbras e tentou uns alongamentos orientados pelo Rosival companheiro de bar e ex-jogador do time do bairro. Havia encerrado a carreira precocemente por problemas nos tornozelos(inchaço) que posteriormente passaram para os pés. Era um craque. Mas isso não foi fruto de nenhum beque maldoso não.. foi cachaça mesmo. Fazia dois treinos de apronto por dia, um no campinho ao lado de casa e outro na bodega do Genival. A malvada que tinha afastado até Garrincha dos gramados tinha tirado também o "Rose"... Era o seu apelido... ficava p... E quando estava melado se alguém o chamasse assim, saia para a briga.

Problemas superados e todos para o interior do estádio municipal onde a grama fora verde um dia. Para ser mais exato, quando da inauguração, depois de bom inverno. Arnóbio tentava a todo custo sintonizar o radinho de pilha na estação local para ouvir a escalação do escrete alviverde. O craque do time, Mauritônio, estava fazendo um teste no vestiário e era dúvida para a partida. Escorregara numa casca de manga na concentração após o almoço e uma abertura de pernas mais do que seu corpo permitia provocou uma dor no músculo adutor. Ele nem sabia que tinha esse músculo mas o doutor também não entrou em detalhes. Fez um tratamento intensivo a base de iodex.

Arnóbio comprou pilhas novas e nada. Quando sintonizava ouvia apenas:

- Irmãos... compareçam ao evento...

Era a ValhameDeus, rádio evangélica que entrava muito bem na cidade e tinha uma potência muito além da velha Difusora local. Arnóbio tentando...

- Irmãos não bebam.... vão arruinar seu lar...

E o Arnóbio procurando no dial a Difusora...

Os times já entrando em campo e nada do Mauritônio... E o rádio:

- Irmãos nada de raparigas...

ZZZZZZ.... Tizion...chhiiilllll....ppssppszzzzzz... e nada.

- Irmão pare de beber... orientava o pastor. E o Arnóbio puto e já melado. Deixara de contar depois da décima latinha de Viscol, cervejinha de fabricação local. Era ressaca garantida.

- Deixe esse negócio de futebol de lado... vá para a missa...

JIIOOOOMMM..TTZZZZIIOONNN.... e nada de sintonizar.

- Irmão pare disso, pare daquilo.... não coma fora de casa...

- Não beba....

Isso foi demais para o Arnóbio. O radinho cibrig foi arremessado na parede mais próxima mandando o pastor as favas. Já bastava a mulher em casa a lhe enfurnar os ouvidos. O jogo foi uma m.... o time local sem o seu craque em forma, não foi páreo para o time da cidade grande. Arnóbio voltou para casa triste mas os conselhos do pastor ainda lhe cutucavam o cérebro. Quem sabe um dia... deixaria de pecar.