“Do contra” ! Continuo rezando por você!...

Certa feita numa manhã dessas foi visitar um velho amigo, o nome dele é Walter, é uma figura exótica, uma mistura de guru hindu, com monge budista, temperado com uma caridade que lembra Mahatma Gandhi. Em suma, é uma boa pessoa, mas tem uma forma crítica de ver a realidade das coisas que tende a irritar muita gente. O sujeito é daqueles que podemos rotular como “do contra”, encapsulado em seu agnosticismo, também adepto de certo ceticismo, sobretudo no que se refere à religião. Ele despeja sua criticidade contra tudo e todos que se oponham a sua forma de pensar e ver o mundo...

Pois bem, chegando ao recinto do velho amigo, ele com sorriso de canto me oferece um texto de Rubem Alves para que eu leia, nos últimos tempos tem gostado de tudo o que lê desse autor, visto ser “do contra” como ele. O texto em questão se chamava “Sobre deuses e rezas”, sendo uma crônica contida no livro “Teologia do Cotidiano”. Nele, Rubem relata que certo dia foi interpelado por uma mulher, que tentava “salvar-lhe” a alma, falando-lhe de Deus e o exortando a orar, em pleno aeroporto, enquanto esperava seu vôo. Porém, Rubem, julgou desnecessária a atitude da mulher, visto ela não ter a capacidade de avaliar se ele ou outrem tinha ou não contato com Deus, além do que, pra quê ficar toda hora rezando (falando) com Deus se ele é onisciente e onipresente? Assim, Rubem Alves despediu a mulher deixando claro para ela que “quem fala com Deus o tempo todo é asmático espiritual”, fazendo uma comparação com um doente de asma, que só se lembra do ar e de Deus, quando está em crise... Rubem também disse que “quem reza demais acha que Deus não funciona bem da cabeça”, fazendo assim referencia à onisciência divina, que tudo sabe sobre nós.

A primeira vista somos tentados a acreditar que a atitude de Rubem foi correta, e sua refutação à ação da crente mulher, uma brilhante aula de filosofia prática (ou teologia do cotidiano)... Pobre Rubem!, podemos até concordar que a mulher poderia ter agido fanaticamente, como muitos “arautos do evangelho” que vemos pelas ruas e a cada esquina em suas “igrejolas” ou pontos de fé... Mas não podemos desprezar a ação de Deus que se vale da pura consciência de muitos para nos alertar!.

O fato de Deus ser onisciente e onipresente jamais nos exime de buscá-lo e muito menos de rezar (falar com Ele), como dá a entender o eminente Rubem Alves. Aliás, foi o próprio Jesus Cristo quem nos mandou orar ao ensinar o “Pai Nosso” aos discípulos (Mt 6,9), bem como pedir ao Pai aquilo que julgamos necessitar: “Pedi e se vos dará. Buscai e achareis. Batei e vos será aberto. Porque todo aquele que pede, recebe. Quem busca, acha. A quem bate, abrir-se-á.” (Mt 7,7-8).

Noutra ocasião Jesus cura a cegueira de um homem, e pasmem! Jesus vendo que o homem é cego lhe pergunta o que ele quer... (para Rubem Alves, Jesus neste momento devia estar “com a cabeça fraca...”):

“Jesus, tomando a palavra, perguntou-lhe: "Que queres que te faça? Rabôni, respondeu-lhe o cego, que eu veja! .Jesus disse-lhe: Vai, a tua fé te salvou." No mesmo instante, ele recuperou a vista e foi seguindo Jesus pelo caminho.” (Mc 10,51-52).

Assim, constatamos que a onisciência divina em nada impede a nossa oração, que tem sua utilidade na colaboração misericordiosa que Deus nos concede em meio a Sua obra, é o que nos ensina com propriedade o mestre beneditino Dom Estêvão Bettencourt,OSB ao afirmar que “Ele quer a colaboração do homem, que se faz mediante a oração da criatura; a oração não pretende impor a Deus a vontade do homem, mas eleva o homem à categoria de cooperador com a vontade de Deus”. Também S. Tomás de Aquino em sua Suma Teológica se refere à importância da prece dos homens para Deus, ao afirmar que “Deus em sua liberdade nos concede muitas dádivas, sem mesmo que a peçamos. Em certos casos, porém, Ele quer dar mediante a nossa oração, porque isso nos é útil. Destarte, sim, adquirimos a confiança de recorrer a Ele e reconhecermos Deus como autor de nossos bens. Por isto diz S. João Crisóstomo: Considera quão grande ventura te é concedida, quanta glória outorgada: eis que podes conversar com Deus pela prece, entrar em colóquio com Cristo, exprimir os teus desejos e aspirações” (Suma Teol. II/II83,a.2,ad3).

Em sua crônica Rubem Alves recusando a “boa ação” da mulher crente, pede-lhe que não ores a Deus por ele, pois Deus poderia tomar aquilo como uma ofensa... Ora, ofensa maior é a recusa do bem praticado por um coração reto, aliás, a pobre mulher sabe-se lá se em meio ao seu fanatismo ou não, somente visava (penso eu) o bem daquele homem, não procurando fazer nada mais do que nos ensina São Paulo em suas cartas:

“Dou graças a meu Deus, cada vez que de vós me lembro. Em todas as minhas orações, rezo sempre com alegria por todos vós” (Fl 1,3-4)

E sobre o fato dela o estar interpelando inoportunamente em meio à fila de espera de um aeroporto, deve-se ao desejo de transmitir a Palavra de Deus (embora ela fanaticamente pudesse estar incorrendo no erro, sua ação era movida pela sinceridade cândida de seu coração...) como também expressa São Paulo:

“prega a palavra, insiste oportuna e importunamente, repreende, ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir. Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas.” (II Tm 4,2-4).

Bem, depois de ler todo o texto de Rubem e dizer para meu velho amigo que não concordava com todo o pensamento exposto, despedi-me prometendo em outra ocasião apresentar meu parecer sobre o fato (eis o texto que lês agora!), porém, de antemão, prevejo a reação do velho amigo... Caso consiga terminar a leitura desse texto, dará uma boa gargalhada, passará a mão em sua barba branca de guru hindu, e continuará sendo o mesmo “do contra” de antes, sabendo eu, que no fundo, no fundo... alguma coisa ele apreendeu!

Até uma próxima ocasião! Estarei rezando por você, meu velho e bom amigo “do contra”.

In caritate Christi,

L.M.J.

01/12/2007.

Leandro Martins de Jesus
Enviado por Leandro Martins de Jesus em 01/12/2007
Código do texto: T760932
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