Verdade, Heresias e Ortodoxias

"Tá na linha, ganhei, Nada disso, tá fora da linha, Que nada olha de perto tá na linha, Tá na linha não! Ta sim! Ta sim tu vai vê agora vamo decidir na porrada! Poff! Corre fela da ...!”

Grosso modo foi assim que a ortodoxia tornou-se ortodoxia e a heresia tornou-se heresia, duas idéias diferentes debateram sobre qual delas seria a verdadeira, adeptos das idéias tentaram conquistar os adeptos da outra, após a persistência de adeptos em ambas, “foram pra porrada”, houve embate e quem tinha mais poder ganhou.

Heresia e Ortodoxia têm muito pouco a ver com verdade e mentira como pensa Rubem Alves (Religião e repressão), sim, são frutos de disputas de poder, da lei-do-mais-forte, quem tem mais poder dá fim no mais fraco, queima na fogueira, coloca pra correr, prende, silencia.

Mas com quem está a Verdade? Com os ortodoxos que por possuírem o poder puderam impor sua verdade lutando com todas as armas (incluindo as mais sujas possíveis) para defendê-la, ou seja, permanecerem no poder? Com os hereges que não tiveram poder o bastante para se estabelecer como ortodoxos?

Onde está a verdade, na ortodoxia ou na heresia?

Alguns dizem que ela está em ambas, pois “a verdade é relativa”. Eles podem ter alguma razão. Mas a verdade não é relativa, relativos somos nós e temos a tendência (e o prazer) de relativizarmos tudo quando queremos nos impor como absolutos. A Verdade É e está para além desses debates acerca de sua natureza.

Esta época que muitos chamam de Pós-Modenidade tem uma particularidade interessante. Não há mais Uma Ortodoxia dominante e heresias que resistam a duras penas. Há uma imensa diversidade de crenças advogando o lugar de “A ortodoxia” ou “A Verdade” e colocando todas as demais em subcategorias de heresias (quanto mais distante delas, mais herege), e como nenhuma delas pode ter poder para silenciar as outras por conta da tão anunciada liberdade religiosa, cria-se um campo de batalha de proporções universais onde cada um é contra todos. “Um contra todos e todos contra um”, diz o mosqueteiro pós-moderno. Não há como esconder, por trás do clichê “a verdade é relativa” está o “sou o melhor, sou o correto”, logo, estou com a verdade, e talvez sejam mais sinceros aqueles que defendem suas crenças com sinceridade sem se esconder nos bastidores.

Essas polarizações caracterizam nosso tempo. Guerras religiosas, culturais, gueto-contra-gueto, guerras ideológicas, e ao contrário do que podemos pensar não é tão ruim, pois antes milhares de ‘ortodoxias’ que uma só dominando a cena, e já que dialogar nem sempre é possível (ainda mais quando há línguas ideológicas diferentes), melhor o choque do que o silêncio forçado, calar quanto ao que incomoda é que já não é permitido. As polarizações são defesas de identidades num momento onde as identidades estão em crise.

Mas e a verdade? Como vamos encontrar a Verdade num mercado onde se vendem tantas verdades? Compraremos todas as verdades existentes, retiraremos o que nos interessa e criaremos uma verdade-híbrida a qual chamaremos: Minha verdade?

Antes de tudo, se a gente ficar esperando encontrar ou fazer o verdadeiro e completo pacote-porque-da-existência para então começar a viver, jamais viveremos, ou pior, nos deixaremos matar por idéias ou ilusões que nos darão boas razões pra viver, e boas razões pra viver são também boas razões para morrer como observou Camus.

A verdade é que tudo é vaidade, incluindo as “multi-ortodoxias” de nosso tempo, mesmo que haja muitas verdades em todas elas, e que em algumas o único poder que esteja em jogo seja o poder de dizer que tudo é verdade. São vaidades, coisas que passam, são “correr atrás do vento” porque não há maior verdade que olhar para si mesmo e entender que tudo dentro de si é relatividade, e a partir daí buscar viver a Verdade no dia a dia, pois só vivendo se vive a Verdade. “O que é a Verdade” é uma pergunta sem resposta, respondê-la sempre é diminuir a Verdade, pois não se pode separá-la da vida, Verdade caminha junto com a vida, é do tamanho da Vida, vivendo se vive a Verdade. Não existe regra, não existe lógica, nem os ensinos de Cristo são a Verdade se Cristo não estiver dentro de nós, pois sem Ele dentro do peito, até os seus ensinos são insuportáveis e ficaremos mais cegos e perdidos.

Assim, a Verdade nem mesmo é um ensino, mas um Reino que temos como semente dentro de nós e que se não lhe dermos atenção, andaremos perdidos entregues ou a nossa própria sorte ou a medidas paliativas que só nos deixarão mais perdidos, mas se dermos ouvidos e seguirmos a semente virá a crescer e o seu fruto permanecerá para sempre.

Abraços.

Inté!