onde fica o Paiçandu?

Aquele cara está perdido com um pedaço de papel na mão e pergunta para o rapaz que vende DVD pirata algo que aquele não sabe responder.

Eu, que sou tão educado, pergunto:

- Onde você que ir ir?

- Paiçandu...

Estávamos no Viaduto Major Quedinho, perto do atual Diário de S. Paulo, antigo Estadão, e do bar fecha nunca Estadão.

O Estadão é famoso pelo pernil...lá eu furtei um sorvete de 1 litro de flocos, após um show do Beto Guedes que cantou de costas pra plateia no Anhembi em 1984. Estadão onde eu com o pé direito, o pé bom, não deixei um ovo frito cair do meu prato, um filé a cavalo, no chão. O ovo escorregou do meu prato e eu matei o ovo no peito do pé e devolvi ao prato, isso em 1991. Em 1975 nessa esquina, eu de sandálias havaianas, com tiras amarelas, corri atrás de um cara que bateu a carteira do meu pai. Estadão onde eu bato um pernil, e o prato de número 10, há 30 anos, onde eu tomei uma cerveja choca em 1989, etc.

Estávamos próximos ao Estadão:

- Meu amigo, eu disse, está vendo aquele predio grande? É a Biblioteca. Você vai até a porta dela, a rua chama Xavier de Toledo. Você segue pela mesma calçada, vai andando até chegar a um prédio velho, enorme. Esse prédio velho é o Theatro. Atrás do Theatro é o Paiçandu.

- Ele deu as costas e saiu andando, de cara assustada por ouvir alguém dizer: "Biblioteca", "Theatro", e vá com "Deus".

Essa cidade é de ninguém.

E eu estou sozinho nessa cidade, eu e todos os funcionários negros que demoravam horas para trazer livros, que chegavam de elevador e amarrados com barbante, na Biblioteca Municipal Mário de Andrade; mais os viados que ficavam conversando atrás da Pracinha ali na Bráulio Gomes; e os garçons que iam fechar negócios nas segundas feiras na galeria da mesma Bráulio Gomes que dá pra Sete de Abril.

Eu estou sozinho e os vagabundos que roubaram a aliança da minha mãe na Ladeira da Memória são outros, mas ainda são os mesmos e na frente do Theatro Mvnicipal, na frente do Mappin, e da Light, e no Viaduto do Chá, e na Barão de Itapetininga, e em todos os lugares, o centro da cidade está cheio de fantasmas que amam esse lugar horrível, que não são daqui, nem de nenhum lugar, não tem para onde ir, não sabem como chegar e não sabem agradecer quem quer lhes indicar como chegar.

Mauricio Miele
Enviado por Mauricio Miele em 25/01/2023
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