EU & MEU RAIBAN III...

 

Quanto mais taxas os bancos cobram e mais ricos ficam, pior tratam seus clientes. Fiquei na fila mais de quarenta minutos. Nem água, nem ar condicionado, nada. O suor já tomou conta de minha roupa e insiste em correr pelo meu corpo. É hora de almoço. Não dá mais tempo de voltar para casa. Terei que me virar, sacar uns trocados para comer. Diante da caixa eletrônica, depois de pagar o último boleto, a dolorosa descoberta. Meu limite foi para o brejo. Almoço? Só se vender meu vale transporte. Tenho míseros trocados no bolso. Fora, Campo Grande parece um forno nazista. Qualquer pedaço de sombra é bem vinda. Ajeito meu raiban. Faço cara de malvado. Atravesso a rua e entro no primeiro bar que acho perto da rodoviária. Com as poucas moedas que trago no bolso preciso aliviar minha fome. Quem sabe uma tubaína e um pão de queijo? Ao entrar no bar, a atenção de todos os presentes se volta para mim. Como sempre, por causa deste meu amigo inseparável, meu óculos de sol, comprado no Paraguai, legítimo, “la garantia soy yo”. O silêncio toma conta do ambiente. Meio desconfiado, piso firme, avalio a situação. Ao redor do balcão os copos de bebida estão todos em repouso. Os olhares miram direto para minhas lentes escuras com interrogação, dúvida e respeito. Dois homens se encontram em pé. Um deles é o dono do bar que, distraído, parou de servir seus clientes. O outro está completamente bêbado. Tem um maço de cédulas em sua mão. Percebo, de um relance, que nos bolsos das camisas de cada um daqueles que estão sentados existe uma nota amassada. O coitado estava distribuindo dinheiro. Notas de 10. O dono do bar, paralisado no ato de enxugar um copo, me olha assustado. Adivinho que todos estão pensando que sou da polícia. Talvez um delegado. Não sei com que coragem exijo com voz ríspida: “Muito bem seus espertinhos. Acabou a farra do boi. Comecem a devolver o dinheiro do homem. Agora!”. Cada um se apressa o mais rápido possível em se ver livre do dinheiro presenteado pelo infeliz. As notas parecem pegar fogo nas mãos dos oportunistas. O bêbado não sabe onde colocar aquela dinheirama toda. Protesta: “Mas doutor, o dinheiro é meu. Recebi pagamento hoje. Tô só pagando umas rodadas para a turma. É tudo meu amigo!”. Trôpego, caminha em minha direção. Tenta colocar uma nota em meu bolso. Tomo todo seu dinheiro. Faço um bolo só. Coloco tudo dentro de sua carteira e exijo: “Pronto, agora vá para sua casa. Sua família está esperando para o almoço. Vai sumindo. Trate de dar o fora daqui!”. Não quis nem saber se ele devia alguma coisa. Empurro-o porta afora. Fico cuidando até que dobre a esquina, resmungando. Ninguém ousou dar um pio. Dirijo-me à silenciosa platéia: “Da próxima vez, chamo um camburão e recolho todo mundo. Quero ver se são mesmo espertos!”. Um por um começa a pagar sua conta e a sair de fininho. O dono do bar, abrindo um falso sorriso tenta se explicar: “Doutor, desculpe. A gente não estava roubando ninguém não. Na hora em que ele fosse embora, a gente ia devolver tudinho. Não leve a mal. Era só brincadeira!”. Tenta me conquistar: “Olha, para provar que estou falando a verdade, eu sei que o senhor veio da rodoviária e não deve ter almoçado ainda. Então, o doutor pode ficar a vontade. Hoje é tudo por conta da casa. O prato principal, a cervejinha gelada e o que o senhor quiser mais. Por favor, aceite. Não me faça uma desfeita!”. Penso comigo mesmo: “Ah, esse meu raiban é mesmo mágico!”. Finjo que não vou aceitar, faço um certo charme (mentiroso). O coitado insiste. Só com alguns níqueis no bolso, escolho a melhor mesa, peço um filé com fritas, um loira bem gelada, e, desfruto de todo poder que emana de minha “autoridade ocular”. Sobremesa garantida, cafezinho tomado, mil reverências trocadas, falsos agradecimentos, saio daquele lugar para nunca mais passar nem perto. Na rua, confiro o dinheiro do ônibus. Ajeito meu poderoso raiban no rosto. Faço cara de mal, sigo em frente. Vou direto para meu trabalho. Ah, a vida é mesmo bela!...

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