SOBRE ENVELHECER E OUTRAS REFLEXÕES

No velório de minha mãe, a casa estava cheia. Havia gente que eu sequer conhecia. Até pessoas que julguei inconvenientes vieram (no meu, vou assombrar essa gente!).

Aposto que no velório de meu pai teremos coisa parecida, um absurdo de gente solidária, compartilhando conosco o momento da despedida.

Falar da nossa condição de passageiros neste plano é um assunto desagradável, eu sei, o que considero natural, uma vez que essa negação nos ajuda a viver, como se fôssemos imortais. Mesmo assim, insisto, somos finitos. Nascemos para um fim, inevitavelmente.

É fato que não sabemos quanto tempo passaremos aqui, mas, se temos o privilégio de envelhecer, precisamos de atenção e cuidado nessa fase.

Então, como eu ia dizendo, me impressiona como nos disponibilizamos para velórios e enterros. Acontece que, acredito, meu pai ficaria mais feliz recebendo homenagens e visitas em vida.

Quantos parentes poderiam tornar melhor seu dia com uma visitinha, aqui e acolá, que fosse? A visita pós-vida, quando ele for somente matéria, me parece sem sentido.

A família, de nove filhos, netos e bisnetos já representa uma multidão. No entanto, às vezes ele se vê sozinho, na solidão do fundo de sua rede, onde ele tem passado maior parte do tempo.

Há algum tempo, meu pai oscila entre estar bem e estar totalmente desanimado. Um dia ele se anima, come bem (reclama, mas come), se perfuma e vai pra calçada, conversar com vizinhas, o que me deixa otimista; no outro, ele se recusa a sair da rede, diz que não há nada a fazer e que não dá mais pra nada. Um dia, ele passa mal e a gente se apavora, corre pra emergência do hospital; no outro, dança com a bengala, fazendo piada e dando risada das coisas da vida.

Percebo sua tristeza quando ele se põe pensativo, olhando para o nada. Queria saber no que ele tanto pensa. Pelo que consigo imaginar, não acho interessante ele passar tanto tempo nessas “reflexões”. Temo que se sinta deprimido, sem perspectivas, preocupado com o porvir.

A qualidade de vida na idade dele é essencial. Aos 81 anos, não deve ser fácil viver, sobretudo pelo quadro de enfermidades próprias dessa fase, que vai se ampliando dia a dia. Não deve ser fácil tomar tanta medicação, manhã, tarde e noite, permanentemente.

E no caso de meu pai, ainda tem um agravante: a perda quase total da visão, o que o impede de realizar atividades que ajudariam a passar o tempo, como escrever (que ele adorava), jogar cartas e ver televisão (o futebol ele acompanha pela TV, como se estivesse ouvindo rádio).

Sobre “passar o tempo”, olha que contradição! Isso não deveria ser algo desejado por um idoso, na verdade era pra ele desejar que o tempo fosse lento, para aproveitar ao máximo o que resta para ser vivido aqui. Acontece que se esse tempo não for de qualidade, a pessoa quer mais é que ele passe, sem se dar conta de que cada dia a mais é, na realidade, um dia a menos.

Se a gente pensasse bem, conviveríamos o tempo todo com ele, tornando seus dias mais leves, fazendo valer cada um deles. Brincar, conversar, acolher suas memórias, fazer um mimo, são práticas que o fariam se sentir vivo e feliz. A velhice requer o ficar junto, o conviver, o servir.

Entre suas oscilações, uma certeza tenho: voltaremos a nos ver todos, até os primos distantes, mais dia menos dia, porque quando ele desencarnar, eu sei que todos se mobilizarão para “a despedida”. E depois, almas generosas e de bom coração vão seguir acendendo velas e visitando seu túmulo.

“Que coisa linda”!

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 26/02/2023
Código do texto: T7728161
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