POLÍTICA


 

Nunca tive interesse em coisas como leituras e estudos. Não por falta de oportunidade, mas achava–como ainda acho–terrivelmente chato. É uma tarefa árdua, de grande dificuldade, me concentrar a ficar parado em um só lugar lendo palavras difíceis ou variados termos técnicos e expressões intelectuais, quando o mundo afora me atraía com sua beleza, sempre com um lugar mais atraente do que o anterior para visitar, brilhando meus olhos com a vontade despertada em querer conhecê-lo e aproveitá-lo. O prazer sempre venceria a obrigação do saber.

     Além do mais, o mundo já era belo. Não possuía o desejo de melhorá-lo ao meu tom. Outra coisa que jamais consegui entender: o porquê de outras pessoas quererem mudar o que já é perfeito. Uma luta, ou uma guerra, sem fim. 

     Digo que meu ensino médio não foi difícil. Aliás, foi muito pelo contrário. Meus colegas de classe que viviam reclamando, achavam difícil, mas acredito que o que faltou na vida deles foi o devido esforço. Nessa época meu pai me levava e me buscava na escola. Bom, não ele propriamente, pois vivia ocupado com o trabalho, mas nosso motorista. Eu estudava, lutava na academia, fazia natação, jogava tênis, e, quando tinha um tempo livre de minhas obrigações, ainda saía para namorar. As garotas sempre gostaram de homens capazes, que tomam iniciativa, que trabalham e são esforçados, porque, assim como nós, elas também sabem da dificuldade em encontrar um parceiro competente, apesar de algumas interesseiras que cruzaram meu caminho já na adolescência. Meu pai me alertava constantemente desse tipo, e eu sempre segui seus conselhos. Ele era um homem sábio, de enorme sucesso na vida. Enfim, mesmo com todas essas dificuldades, eu conseguia administrar bem meu tempo, apesar de que em quase todo final de semana tinha que acompanhar meus pais a festas em casa de seus amigos no Leblon, em Copacabana, ou algum outro bairro da Zona Sul.

     “É um prazer conhecê-lo,” uma frase que abria minhas noites.

     “O prazer é todo meu,” e sempre me respondia um velho de cabelos brancos. Com todos os fios brancos. Alguns com mais cabelos do que outros, e outra coisa em comum além disso era que tinham sempre uma mulher jovem em sua companhia. Assim como meu pai me tinha ao seu lado, fazendo as apresentações. Mas, diferente de mim, elas só sorriam.

     “Então é você o único herdeiro da família?” Algumas apresentações se estendiam com a boa educação, o interesse em ouvir a outra pessoa.

     “Tudo indica que sim, senhor.”

     “Olha só, como ele cresceu!” Essa era a resposta que eu mais ouvia.

     Por vezes, calhava de esbarrar com algum professor nessas festas, ou com até mesmo o diretor do colégio que na época eu estivesse matriculado. Podia sentir algum tipo de inveja sobre mim quando me encaravam, distantes, como se sugassem minha energia com seus olhares tão desafiadores. 

     A meu contragosto, quando o tempo chegou, tive que entrar em uma faculdade. Consegui meu certificado de reservista do alistamento obrigatório no mesmo ano. Meu pai dizia que o estudo formal, um diploma de ensino superior, era mais importante do que servir como soldado. Mas, talvez para seu desgosto, eu desisti, logo confesso, e não só por conta dessa minha dificuldade–ou ansiedade, assim como minha psicóloga anterior acabou me diagnosticando–em me concentrar, em ficar parado por mais de um minuto, mas também depois de alguns semestres tendo que ouvir professores disseminarem suas ideologias de um mundo utópico e ao mesmo tempo deturpado pela imoralidade. Por que eu deveria ler textos e fazer resumos de capítulos, se minha formação escolhida era justamente sobre ciências exatas? Não fazia sentido! E os absurdos de uma nova doença, em tão pouco tempo, começaram a assombrar cada corredor da universidade. Estudantes pedindo direitos estudantis. A mentira vinha de cunho intelectual, pois na verdade o pedido era de dinheiro pro governo porque não queriam trabalhar! Um bando de preguiçosos, se me perguntassem o que acho disso. Os intelectuais sempre quiseram a vida fácil, eu rapidamente entendi. Com suas músicas, suas artes vis, e uma ideologia preguiçosa, impregnavam todo ambiente sério e corrompiam a moral e a ética das pessoas a sua volta. Afetavam até políticos. E nisso vi alguns amigos e outros colegas de classe caindo no conto do Vigário, e aí saí antes que chegassem a mim. Nessa época, o fantasma vermelho assombrava todos os cantos das universidades públicas. Confesso que eu andava com medo. Medo de ser assaltado, medo de ser confundido com um deles e acabar apanhando dos militares por justamente compartilhar daquele ambiente. E eles se multiplicavam rápido, tal qual mosquitos da dengue em água parada. Eu sempre preferi fazer, botar as mãos na massa, e vendo essa minha predisposição a agir, meu pai me contratou em sua empresa assim que eu anunciei minha saída da faculdade.

     Foi um casamento perfeito que sem demora assumi. Acordava cedo, bem de manhã como já me acostumara na época do colégio, e nós dois íamos juntos ao trabalho. Uma das coisas que lembro, e que também acabava estressando meu ocupado pai, era que nosso motorista às vezes se atrasava a nos buscar, mas eu conseguia acordar sempre no horário certo. Independente de minha formação acadêmica, fui colocado no setor de contas, sendo o responsável pelos cheques dos funcionários. Tinha uma sala só pra mim, com ar-condicionado, telefone e até mesmo uma secretária.

     “Tem que trabalhar bem para receber bem,” era o que meu pai me dizia vez ou outra, quando a oportunidade surgia, entre o café da manhã e o almoço, entre o almoço e a janta, entre a janta e o café da manhã quando ainda estávamos acordados. “Tem que fazer por merecer.” E eu sabia bem disso, afinal não teria me contratado.

     Por volta das duas da tarde eu saía do trabalho. Salvo algumas exceções, acabava sendo liberado três ou três e meia. Meu pai deixava nosso motorista à minha disposição. Ele me deixava em casa, eu me arrumava e pegava uma mochila com água e alguns sanduíches e ficava até o pôr do sol na praia. Morávamos basicamente a cinco minutos. Eu poderia dizer que passava mais tempo na areia e na água do que em casa. Não diria que ali tive contato com aqueles de quando frequentava a faculdade, mas uma vez ou outra, quando ia descansar antes de ir embora ou até mesmo sentado na areia apreciando as ondas do mar, eu sentia um cheiro familiar, herbático, que me trazia uma certa calma, e eu fazia ouvir as profundezas do oceano me chamando, me alertando para o que de tão especial a vida me havia guardado. 

     As pessoas têm a vida fácil e gostam dela assim. Ninguém quer se esforçar, preferem receber ajuda, esmola, e viver em um copo de cerveja atrás do outro. Muitos dias da semana eu via a praia lotada. Eles desciam do morro, da favela ao lado, e por lá ficavam até o fim da tarde. Assim qualquer um pode dizer que morava em frente à praia, perto, há cinco minutos de distância do mar. E era raro ter um horário que pudesse aproveitar as ondas sem alguma pessoa desse tipo me atrapalhar, sem andar esbarrando em caixas de isopor, sem sentir o cheiro de frango frito e esbarrar em latinhas de cerveja e garrafas de refrigerante–e acidentalmente cobrir alguma dessas coisas com areia.

     Quando meu pai faleceu tive que assumir os negócios da empresa. Fosse eu o mais qualificado para aquela posição por conta de tanto tempo o assistindo, o acompanhando ao que ele mais se dedicava e amava. Perdi alguns cabelos nessa jornada, mas creio que ele teria orgulho de mim.

 

     “E o que você poderia me dizer de seus filhos? Ou de sua esposa.”

     “O que tem eles?”

     “Como você acha que eles te enxergam?”

     “Ah, eles gostam de mim. Eles tem que gostar de mim. Eu trabalhei bastante pra colocar comida na mesa, pra colocar um teto por sobre suas cabeças. Eu pago escola, pago faculdade, pago viagem. Como eles não vão gostar de mim se eu dou tudo o que me pedem? Se eu faço todas as suas vontades.”

 

     Meus filhos não entendem o valor do dinheiro; nossos dois garotos. Com o tanto que eu gasto, com o tanto que eu faço por eles, ainda assim não entendem o custo das coisas. Estão sempre me pedindo algo. Talvez porque sejam homens, né? Homem tem isso, de querer o mundo todo de uma só vez. E tudo bem, eu dou, eu faço, mas gostaria de ver um pouco mais de respeito, um pouco mais de entendimento. Não é porque eu posso dar o que me pedem que foi fácil conseguir. Meu pai dizia que na vida tudo tem esforço, e se você quer muito, você tem que se esforçar muito mais. E eu agradeço a Deus mais ainda por ter conseguido.

Minha filha mais velha não mora mais com a gente desde seus vinte e um anos de idade. Conseguimos uma cidadania portuguesa por conta da família de minha mãe, e então ela tem morado lá. Ela trabalha, estuda, e tem namorado um rapaz muito bom. Vejo suas fotos no Instagram, sempre acompanhada desse cara bonitão e de uma menina que também é muito amiga dela. Sempre me fala do quão ela é inteligente e das ideias que tiveram para algum negócio na livraria onde trabalham.

 

     “E sua esposa?”

     “Eu amo ela demais. Sempre esteve ao meu lado, até nas decisões mais difíceis que eu já tive que tomar. Sem ela, eu não seria nada. Não teríamos essa família linda, com a graça e ajuda de Deus.”

     “Bom, por hoje é só.”

     “Nossa, isso foi rápido, né?”

     “Estamos aqui por uma hora e meia.”

     “Pareceu rápido..”

     O homem estende a mão com um sorriso no rosto. 

     “Mesmo horário semana que vem?”

     “Veja com minha secretária a disponibilidade, mas acredito que não será possível. Entretanto, é bom verificar de qualquer jeito.”

     “Obrigado, doutor. Tenha uma boa semana.”

     “Obrigado.”

Cleber Junior
Enviado por Cleber Junior em 08/03/2023
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