SAUDADES DAQUELE TEMPO

 

Quando menina eu tinha um sonho.

Era sentir o aroma do pomar da casa da minha avó aqui em São Paulo.

Todas as férias que eu tinha que vir embora era um tormento, porque eu teria que ficar longe daquela terra vermelha, daquelas árvores, daquele quintal, daquela casa.

Quando chegava de manhã, acordava com os passarinhos e um trinca ferro que teimava em me acordar.

A noite era o piado da coruja que vinha me assombrar. 

Durante o dia, molhava o pé na mangueira e corria descalça no cimento liso que cobria a volta da casa e que com o sol, fazia grudar e queimar meus pés. Aquilo era insano, mas eu adorava aquela sensação de arrepio que dava ao tocar o cimento, deslizando meus pés úmidos que secavam instantaneamente por causa do sol escaldante. Contando agora me arrepio por esta sensação ainda estar cravada na minha memória.

Tinha também o aroma do café torrado e moido na hora, passado num coador enorme.

Me lembrei da cozinha. Uma pia em frente à janela alta, com uma bancada enorme. Uns 5 metros. A mesa de madeira pesada, grossa, que para chegar na cabeceira eu contava 5 cadeiras. 12 no total.

E aquele tanque que foi palco de brincadeiras mil? Minha vó lavava os lençois e costumava deixar de molho no anil. Era tudo branquinho. Minhas primas e eu esperávamos ela começar a bater as peças e voava água para todo lado. A gente corria nos respingos que fazia. Era uma farra... Que saudade me deu!

Bolinhos de barro, luvas de barro, cha das bonecas, sombrinhas com folhas de mandioca, colares, pulseiras. Balanço no abacateiro, piolho das galinhas, os porquinhos, os patinhos, os pintinhos, a parreira, o pé de fruta do conde...como eu amava!

E  o filme das formigas? Eu pegava um binóculo, tirava a foto de dentro, neste caso era um filme minúsculo, amarrava uma linha na perna de uma formiga cortadeira, fechava o binóculo e passava horas vendo ela ali, cortando a linha para se libertar. Minha tia dizia que era judiação, então passei a colocar a linha em volta para não machuca-la. Era um momento único.

E quando eu entrava no quarto do meu tio, enquanto ele trabalhava e sentia aquele cheiro de cigarro e saia de lá correndo, pois era um cheiro muito ruim.

Ali naquela casa eu assisti o filme OS PÁSSAROS. Fiquei com medo por um mês.

Foi ali que conheci meu primeiro namorado. Namoradinho de portão, como dizia minhas tias. Eu tinha 15 anos e morria de medo de chegar perto de um menino. Ele tinha 18. Fazia o tiro de guerra. Eu era ainda muito inocente para namorar e então ficou só na paquera.

É minha gente, enquanto vejo muitas crianças perderem tempo assistindo vídeos curtos, fazendo dancinhas, vivendo sem alegria, agradeço a Deus por ter me colocado nesta família, naquela cidade, naquela época, onde tudo era muito simples, porém tudo era de verdade...

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PoderRosa
Enviado por PoderRosa em 14/03/2023
Reeditado em 14/03/2023
Código do texto: T7740151
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