Quem morre vai para a Islândia

Amados, as questões metafísicas sempre me inquietaram: onde estamos, para onde vamos, por que um jogador sempre faz gol contra seu ex-time? Para a maioria dessas perguntas, não há uma resposta conclusiva, mas creio ter, pelo menos, identificado o lugar para onde iremos após a morte: a Islândia. Admito que, a princípio, essa ideia pode aparecer absurda, mas pesei bem as evidências e já não há a menor dúvida de que é a terra de gelo e fogo que nos aguarda.

Deixem-me explicar. Primeiro, é preciso abrir mão daquela ideia ultrajante de que existiria um mundo “invisível” para onde iríamos após a morte. Não, mil vezes não: tudo o que há é esse belo mundinho físico e material que chamamos de Terra. Os mortos estão realmente mortos. No dia do Juízo Final, porém, todos acordarão do seu sono eterno e ressuscitarão, uns para uma vida de glória, outros para a própria destruição, mas todos, invariavelmente, na Islândia.

Por que exatamente a Islândia? Bem, há as questões técnicas. Caso o leitor dos meus textos seja também leitor do Apocalipse, que tem lá as suas diferenças de estilo, já deve saber que o número de pessoas escolhidas para viver com Deus não é muito grande: apenas 144 mil. Como essas pessoas não devem se reproduzir, permanecerão sendo 144 mil por toda a eternidade. Por uma simples questão de otimização do espaço, elas não irão para um lugar muito grande.

Ora, a Islândia hoje tem pouco mais de 370 mil pessoas. Cabem ali, confortavelmente, 144 mil e ainda sobra. Esse espaço a mais é a justa paga para aqueles que aqui viveram uma vida de retidão e obediência. O paraíso, sabemos, é o oposto de um lugar lotado. Mas, se haverá 144 mil pessoas se salvando, também haverá 107 bilhões de outras pessoas que irão ressuscitar só para ter o desgosto de descobrir que devem morrer de novo, e agora de uma vez por todas.

Uma coisa é 107 bilhões de pessoas morrerem ao longo de toda a trajetória humana. Outra, muito diversa, é elas morreram todas juntas no dia do Juízo. Como matar toda essa gente? É aí que entra novamente a Islândia, com sua incessante atividade vulcânica. Muito se fala sobre o inferno ser um lugar de sofrimento eterno. A boa notícia é que não é: todas essas pessoas irão sofrer apenas o suficiente para serem aniquiladas pelas lavas de vários vulcões em erupção.

Quis o bom Deus que a verdade sobre a Islândia fosse manifestada por meio de sinais. De fato, ao lermos sobre um país em que a polícia só matou uma única pessoa em toda a história (e veio a público pedir desculpas), onde as pessoas falam de livros no cabeleireiro e leem na noite de Natal, onde o analfabetismo foi erradicado ainda no século 17, onde é proibido uma mulher ganhar menos que um homem, já todos podem perceber as pulsantes evidências do paraíso.

A novidade que apresento é esta: ali, naquela simpática ilha, é onde Deus planeja fazer um novo Jardim do Éden, dessa vez não imperfeito como o anterior. Primeiro, porque não vai ter seres humanos, mas pessoas salvas, incapazes de morder um fruto proibido. E segundo, o mais convincente argumento, porque não existem cobras na Islândia – e, sem cobras, já não haverá causa para nenhuma tentação. Vivamos, pois, de modo a estar entre os islandeses salvos.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 23/03/2023
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