A lua e eu.

Gosto da noite, do reino noturno, soturno. A Lua, a noite e eu. Ah essa tríade imprópria para menores. Três alegorias enigmáticas a enxovalhar a virtude com suas hipocrisias. A Lua, deusa da claridade brilha sem possuir luz própria, a noite, dama da escuridão, rende-se aos primeiros raios da aurora, e eu, humano criado a imagem e semelhança de Deus, cubro minhas vergonhas ante a presença do Senhor. Assim, sombras e penumbras me encantam. Os tons de cinza e pardo camuflam a realidade virtual, sem definição de cor, pudor ou dor. A ilusão de que o manto da invisibilidade da deusa Nix dá o poder de não ser notado, deslumbra-me. Á noite sinto-me autêntico, verdadeiro, sem precisar esconder meu lado obscuro. Ante a gradação da luz, imagens distorcidas e anuveadas pela fraca luminosidade, se desfocam, fundem e se confundem numa grande ilusão de ótica. Tudo é incerto, improvável e imprevisível, não se distinguindo a fantasia da realidade, o verdadeiro do falso. A ilusão, a ficção, o sobrenatural e o misticismo se misturam ao real num perfeito conluio concupiscente e ausente de culpas. A indefinição de certo e errado, bem e mal, prazer e dor inunda e inebria minha concepção de ser, de existir.

A calada da noite grita aos meus ouvidos insolentes em timbres adornados de franqueza, que estou só. A virtude me observa de soslaio, mas sou tão impuro que não se atreve a me acompanhar. No cume da montanha encontra-se o amor. Mas, ah o amor! Lá ao longe, tão impulsivo, quase inalcançável. Entre mim e ti, oh amor, há tantos obstáculos, tantos paredões íngremes, tantas pedras que penso em desistir. Adoração, devoção e zelo, subjuga, escraviza. Invejo os pássaros. Voam livremente sem o código das convenções sociais a determinar itinerários. Ah se pudesse desfrutar de ti, oh amor, sem as dores da escalada.

No submundo da luz, nas quebradas da noite, nos guetos e becos sombrios, tudo é relativo, incompreensível, transitório e finito. Nada satisfaz plenamente a compreensão do absoluto, do concreto, do palpável. Nas entrelinhas do abstrato, jaz a egolatria, assaz cheia de sede de potência, a se debater numa agonia digna de comoção.

Nas noites que a Lua reina soberana e brilhante num céu azul todo estrelado, uivo tal um lobo selvagem a regurgitar minhas angústias em oferendas à deusa prateada gratificado pela simbiose mutualista. Oh Lua exuberante e altiva, quanto fascínio exerce sobre mim. Talvez sejamos iguais. Também tenho meu lado oculto e obscuro que jamais revelarei...

(Genézio Martins)