Passar mal no ônibus

Uma mulher passou mal hoje no ônibus. Era jovem, como podia ser mais velha, e podia até ser homem – todos podem passar mal no ônibus, e boa parte já passou mesmo. Há alguns pontos que unem todos os que passam mal no ônibus. Primeiro, o ônibus está completamente lotado. Segundo, a pessoa está em pé, premida por mil braços e cotovelos. Terceiro, está quente e as janelas, mesmo abertas, estão longe. Já vi muitas pessoas quase desmaiarem nessas condições e, curiosamente, a maioria delas foi de manhã, não à tarde, indo para o trabalho ou a faculdade.

A mulher de hoje ia à faculdade e quase desmaiou. Aí é sempre a mesma rotina, alguém que está sentado cede o lugar, deixam ela bem perto da janela, começam a falar com ela para ver se não é melhor ir para um hospital, mas ela logo se recupera. “Baixou a pressão”, é o que dizem. Às vezes alguém pergunta se a pessoa está grávida ou em jejum, mas, definitivamente, não é preciso nada disso para que uma pessoa passe mal enquanto viaja em um ônibus lotado.

Seria necessário que as pessoas não viajassem nessas condições, mas todo mundo já desistiu há muito tempo de resolver o “problema do transporte coletivo”. Vereadores não se preocupam, prefeitos não se preocupam, deputados não se preocupam – podemos ir subindo até chegar ao presidente, que, é claro, também não se preocupa. Nesse ponto, esquerda e direita se dão as mãos: para ambas, o ônibus lotado é mais ou menos como a morte, algo que a gente lamenta profundamente, mas que não pode fazer nada a respeito – sinto muito, assim é a vida!

Você não vê uma bancada cristã que combata a humilhação das pessoas nos ônibus. Você não vê um jurista que condene o flagrante desrespeito ao princípio da dignidade humana, previsto na Constituição e solenemente ignorado dentro dos ônibus. Você não vê uma campanha forte da imprensa contra esse estado das coisas. Até porque essas pessoas não andam de ônibus. Como a aristocrata francesa que sugere brioches para uma população que não tem pão, essa gente, que ignora a vida dos pobres, parece nos dizer cinicamente: “Que andem de Uber!".

Amanhã é um novo dia de ônibus lotado, e nunca se sabe quem será o próximo a passar mal.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 11/04/2023
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