Elogio da última hora

O tempo pode, na maioria das vezes, ser nosso grande aliado. Mas nestas linhas abaixo, quero homenagear justamente a falta dele, sempre quando, bendita, ela ocorre. O que me faz, por vezes, escrever um texto bacana, nunca é o tempo que tenho pra redigi-lo, mas sim a falta de tempo, que não perdoa dispersões e perda de concentração. Ao contrário do tempo, a falta de tempo não está nem aí pra inspiração, e muitas vezes não permite nem que eu ouça uma musiquinha antes de iniciar cada parágrafo.

O almoço em minha casa sempre saiu melhor no improviso da última hora, sem muitas divagações demoradas sobre que cardápio levar à mesa. As grandes jogadas de Maradona ou Ronaldinho saem quando, em poucos décimos de segundo, eles precisam definir o lance porque o zagueiro está por perto. Dê a eles um campo inteiro pra correr à vontade, e nada de incrível surgirá. Gabriel García Márquez demorou 16 anos para escrever Cem Anos de Solidão, sua obra-prima. Mas a história só deslanchou quando sua mulher já tinha penhorado até a geladeira da casa pra segurar as pontas da família. O tempo ficava escasso, logo a obra saiu.

Agora mesmo, sob as primeiras badaladas da madrugada, o que faz as idéias fluírem de forma um pouco mais ordenada do que o normal, é justamente a falta de tempo que eu certamente terei amanhã para sequer pensar em ligar o computador.

Mente quem diz que nunca foi beneficiado por ter de correr contra o relógio. Geralmente as pessoas reclamam quando algo teve de ser deixado pra última hora, e querem me convencer de que "não podemos deixar nada pra depois". Mal sabem elas que se o resultado não foi bom, pior teria sido se ao seu lado estivesse o tempo à disposição. Somente o medo do atraso e do não-cumprimento de horários é que propicia a concentração necessária para realizar grandes trabalhos.

Grandes pensadores dedicaram a vida estudando o tempo. Basta dizer que duas das maiores obras da história da literatura chamam-se Em busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, e O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo. Ele é também o mote principal da teoria da relatividade, de Einstein, assim como as maiores indagações dos físicos de todos os tempos são as relações do tempo com o espaço. É bom pensar sobre o tempo, filosofar e tentar dominá-lo à nossa maneira, pensando, em nossa vã ilusão, poder evitar que ele nos engula. Mas fiquemos alerta também para os benefícios que a falta de tempo, sem os alardes do seu antagonista, pode fazer à nossa produção cotidiana.

Andrei Andrade
Enviado por Andrei Andrade em 13/12/2007
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