Qual o som que eu queria ouvir?

Que eu queria ouvir. Se voltasse no tempo lá por meados de um mil novecentos e cinqüenta e sete, talvez junho, talvez dezembro, qual a cantiga que ouvi de mamãe, quais as primeiras palavras que me acalentaram, que me deram conforto, que me protegeram, que inteiramente foram dedicadas a mim, qual foi minha primeira oração, meu primeiro som ouvido, talvez a batida do coração que sentia ao repousar minha pequena cabeça, ainda bebê, ainda sem muito entender de nada.

Qual era a sinfonia por eu ter chegado primeiro que todos os outros, competi com milhões, e venci, quer dizer o único que sobreviveu, já nasci lutando, mas nada, foi tudo normal, um probleminha para sair, talvez ali estava bom de mais, mas enfim, me tiraram a ferro para fora, fui expulso do meu cantinho, do calorzinho aconchegante, protegido.

Mas voltando ao som, ouvi passos, talvez, foi tudo corrido.

Muita gente falando a minha volta, sem entender nada.

Sei lá, mas o que foi que aconteceu?

O que realmente aconteceu naquele dia de maio, domingo?

Mas eu tive a oportunidade de escutar muita coisa de lá pra cá, muita coisa gostei, muita coisa me falou, me encantou, tive a oportunidade de escolher, tive a oportunidade de afinar, de assimilar ainda mais e decodificar cada vibração que vinha ao meu encontro.

Descobri muita coisa nova, ouvi sinos das igrejas, ouvi tiros de metralhadoras, ouvi gritos de torcida, ouvi vários e vários gritos de gooooooool.

Os sons dos ventos, da folhas sendo pisadas na grama verde, das cachoeiras, das corredeiras, até brinquei comigo mesmo, ouvindo a mim mesmo me respondendo...

-Aloooo, aloooo, que chamamos de eco, um som que propaga em um lugar com uma acústica que vai longe, bate e volta em tempos diferentes.

Ouvi barulhos de carros, buzinas, caos no transito, já me peguei no meio deles, me senti pressionado a sentir medo, mas a música me acalmou, me fez respirar.

Já ouvi choro de bebê, assustei, a primeira vez que ouvi, o primeiro filho, o que fazer, já tinha esquecido que comigo tinha acontecido exatamente do mesmo jeito.

E o tempo, ah! O tempo, esse foi fantástico, me mostrou, me acostumou a ter calma, paciência, me trouxe de volta, com os pés no chão.

Já ouvi chinelo arrastando, até barulho de sapato novo, esse é esquisito, dá vontade de colocar um oleozinho para lubrificar para parar de chiar, mas enfim o som que mais me emociona é o barulho da chuva, porque sei, que através da água, tudo se renova, tudo se propaga, é dela a maior de todas as dádivas, é por elas que correm nas fendas da terra, ora devastando, ora refrescando.

E a canção pra tirar aquele prazeroso cochilo, é o da chuva batendo na janela de meu quarto.

Roberto F Storti
Enviado por Roberto F Storti em 16/12/2007
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