Risco de vida e gloria fugaz*

| Risco de vida e glória fugaz |

*Texto extraído do livro As Crises da Vida (Fragmentos de uma existência), editado em novembro de 2007.

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Recordo-me ainda do carnaval de 1939, em Caicó. Vale a citação tanto pelo registro histórico daquela festa pagã, numa cidade do interior do Nordeste, quanto por um fato ocorrido comigo.

O corso percorria a principal avenida, a Seridó, em carros abertos, enfeitados com serpentinas coloridas. Rapazes e moças da sociedade divertiam-se jogando confetes e serpentinas nos assistentes, embevecidos com o espetáculo. Ao mesmo tempo, cheiravam lança perfume, de livre consumo, e travavam guerra, à procura de atingir os olhos dos “adversáriorios”, para irritá-los com o perfumado jato.

Numa belíssima crônica no seu mais novo sucesso, “Amor é prosa, sexo é poesia” Arnaldo Jabor comenta saudoso os carnavais do seu tempo, nos idos de cinqüenta, no Rio de Janeiro.

Lógico não haver termos de comparação entre o carnaval da então Cidade Maravilhosa e a provinciana Caicó dos anos trinta. Nem muito

menos à qualidade literária entre aquela pérola por ele escrita e essas

mal traçadas (ou digitadas) linhas. Uma coisa, porém têm em comum: a descrição de uma festa popular na qual a singeleza das manifestações dos foliões dava o sentido de autenticidade.

Ou quando, conforme afirma: “O perfume flutuava pelas avenidas e

crescia como uma nuvem de felicidade salpicada de pontos coloridos de confete e rasgada por serpentinas, envolvendo tudo de uma espécie de ar condicionado com flores invisíveis.”

Nos meus seis anos incompletos, era de certo o mais embevecido dos

assistentes.Talvez por isso, ou por um “empurrão” de outro moleque,

cai na frente de um dos carros do corso. Naquela oportunidade pratiquei pela primeira vez uma qualidade que me identificaria pelo resto da vida: a ligeireza, ou agilidade.Sempre fui considerado o mais ligeiro entre os garotos, nas brincadeiras de rua. O mais difícil de ser tocado nos “rabugens” e “pegas”.

Pois bem, ato reflexo, segurei com firmeza o pára-choque do automóvel, um Ford de Bigode, o sucesso da época. Desenvolvia marcha lenta, num piso de areia fofa, no leito do Riacho da Fortuna, na Rua Seridó, pavimentada muitos anos depois.Uma freada brusca do motorista impediu que a roda dianteira não fosse além de uma ligeira imprensada no diminuto saco escrotal. Graças a Deus, sem maiores conseqüências.

Além da morte, escapei também de ser castrado, sorte que teria novamente, já na maturidade, em episódio diferente.

Mais de cinqüenta anos após, caminhando na praia de Tabatinga, Município de Nízia Floresta, RN, um provecto cidadão me interpelou procurando saber se eu era Aluisio, filho de Júlio Rodrigues.

Ante a resposta afirmativa, perguntou se ainda me lembrava do acidente no carnaval de 1939. Identificou-se como o jovem motorista do automóvel: Zezeca de Zé Bezerra, como era conhecido.

O certo é que, por alguns dias, desfrutara momentos de glória, o epicentro dos comentários dos bares e calçadas da cidade.

Confesso que ficava “todo ancho”, como se dizia quando acontecia algo que massageasse o ego das pessoas.

Biuza
Enviado por Biuza em 17/12/2007
Código do texto: T781316