O VELHO

Aquele velho parece sossegar no colo da idade. Estrábico e descrente, repousa seu corpo num banco de praça de onde assiste ao tempo tirar lascas de seus últimos instantes. O olhar contempla a ausência. Como emendar os períodos subtraídos já que nem a memória lhe é mais lícita? Não há companhia ao seu lado. Aliás, há muito que ninguém o nota. Também não há sonhos... - e sim, aves agourentas por sobre a cabeça. Porém, essas abstrações não o aborrecem mais. Os arranjos da noite se ajuntam numa confluência de exageros. Gracejos juvenis rasgam o céu de brigadeiro, mas não há desdém – Apenas leveza. Todavia, aquela atividade ao derredor é só para lhe testar a paciência. Alheio, não considera as invencionices. Aliás, o que é a modernidade? Simplifiquemos: quase tudo foi recriado. E o que pensa, talvez só importe a ele mesmo. Aquele senhor é a reencarnação de todas as épocas. O paletó, de caimento impecável, deve ter sido costurado por um alfaiate já falecido. E por falecimento, uma dúzia de amores. Como dono da vida, resolve sair. Na avenida que se estende doravante: a igreja de cenário de fundo, mansão dos valores espirituais e devoção de todos os seus. Nos passos trôpegos, sustenta-se na honradez. Aonde será que ele vai? Quem sabe, tenha resolvido voltar para casa. Segue por ali um abecedário da vida, tal qual um livro aberto com todas as letras caindo... - E, em respeito, um mundo inteiro lhe abrindo caminho.

Misael Nobrega
Enviado por Misael Nobrega em 16/06/2023
Reeditado em 24/12/2023
Código do texto: T7815390
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