Se Você Quer Cantar, Cante

Este ano, ao menos até o mês de novembro, ainda continua fazendo trinta e seis anos que não morro. E, até onde eu sei, a malvada da morte (salve Bartô) não andou perto de mim. Digo “até onde eu sei”, pois, como diz a sabedoria popular, “para morrer, basta estar vivo”, não é mesmo. (Estou vivo, não estou?). Sendo assim, vá lá que andei efetivamente quase morrendo, mas não fiquei sabendo? E se ficasse sabendo, o que eu faria?

Uma coisa é certa, Deus me livre de “quase morrer” e ter que apelar. Acabar sendo “pego pela dor, e não “pelo amor”, como pregam por aí. O Cat Stevens, que eu escutava na vitrola essa manhã, fez isso, se converteu ao islamismo após ter saído vivo de algumas flertadas contundentes com a morte. Graças a Ala (e quem acha isso sou eu), antes da sua conversação completa, ainda deu tempo de colocar duas de suas musiquinhas naquele filme, o Ensina-me a Viver. Dizem que ele, o Stevens, foi um dos que também pediu a cabeça do escritor indiano Salman Rushdie pelos seu Versículos Satânicos. Ou seja, se esse tipo de radicalismo tivesse sido incorporado por ele desde o princípio, certamente não haveria essa trilha sonora no filme do Hal Ashby.

De qualquer forma, eu não sabia de nada disso antes dessa manhã. Até certa altura, após ter colocado o disco pra girar, ouvia as singelas e poéticas canções do cantor com outra imagem sua em mente, no caso, um outro Cat Stevens, muito diferente do crente fervoroso, completamente tomado pela causa islâmica.

E foi lendo, pesquisando sobre o compositor de Wild World (sim, a música não é do grupo Dominó, muito menos da Pepe e Neném), que pensei na minha irmã. Em tudo que ela tem passado ao longo de todos esses anos. Toda dor física que tem suportado. Dor essa que, graças a si mesma, ainda não a fez dobrar os joelhos ao que quer que seja. Pirar o cabeção. Trinta e quatro anos e ainda não tendo morrido uma única vez também. Aguentando firme, apesar de tudo. Não se converteu e ainda não odeia ninguém (pelo menos, não religiosamente falando).

O que será que Cat Stevens achou do atentado ao Charlie Hebdo, hein?

Tiago Torress
Enviado por Tiago Torress em 27/06/2023
Reeditado em 22/07/2023
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