PISADAS

Na feira da barganha, onde se compram coisas usadas e descartadas pelos outros, também encontramos livros, muitos livros.

No ponto mais completo, os livros formam um tapete de capas disposto sobre a lona ordinária. O vendedor transita, descalço, entre eles, quase sempre os pisoteando.

Dá pena de vê-lo esmagando autores como Machado de Assis, José Lins do Rego, Albert Camus...

Alguns parecem reclamar.

“O que não me mata me fortalece”, filosofa Nietzsche após levar uma pisada certeira.

No passo seguinte, outra pisoteada; agora é Milan Kundera que retruca, irônico: “A insustentável leveza do ser”.

Mais um passo, nova pisada. Dessa vez o comentário é de Sartre: “O inferno são os outros”.

Quintana, brincalhão como sempre, solta mais uma de suas pérolas: “Nada como um passo após o outro”.

Ao lado do poeta, reconheço o meu primeiro livro. Fico feliz de vê-lo ali, perdido entre os mestres.

O livreiro segue caminhando por sobre as capas e o pobre livrinho não escapa do passo seguinte.

Não reclamei. Tenho levado pisadas piores.

[gORj]