COLOCAR-SE EM PRIMEIRO LUGAR

Há tempos ando “comprando briga” na internet por conta de uma louvação ao “Amor próprio” que sempre me pareceu bastante problemática. Tais frases continuam circulando, cheias de compartilhamentos e coraçõezinhos. Sendo essa velhinha chata que sou, às vezes não resisto à tentação de “dar o meu pitaco” correndo o risco de ofender pessoas de quem gosto e com quem tenho muitas coisas em comum. É complicado ter opiniões que contrariam um grande número de pessoas...

Recentemente caí na tentação e comentei uma dessas frases. Uma pessoa, discordando do meu comentário, acabou informando que recebeu essa orientação de sua terapeuta. Fiquei realmente preocupada. Essa é a razão desse texto.

Não vejo nada de errado nas pessoas que cuidam da própria saúde e do próprio bem-estar, muito pelo contrário! Acho que cuidar da saúde é uma boa atitude e até uma obrigação. Acho maravilhosas as pessoas que desmontam preconceitos com sua existência, que se envolvem em verdadeiras batalhas contra as opressões de que elas e o grupo ao qual pertencem são vítimas. Gosto de pessoas que se defendem de ataques com inteligência ou com o dedo do meio levantado para as “opiniões” que cagam regras. Acho muito bom que as pessoas procurem atividades que fazem com que elas se sintam bem.

Enfim, não tenho absolutamente nada contra as pessoas que decidem cuidar delas mesmas, isso é o que eu vivo pedindo e desejando que as pessoas que eu amo façam. O problema é que uma frase “motivadora” pode ser apenas uma frase egoísta, e a impressão que tenho é que todos os grandes males da sociedade têm sua raiz no egoísmo.

Afinal, o que é a intolerância religiosa se não a “certeza” de que eu sou superior a você porque escolhi a religião certa e você escolheu a errada ou nem foi capaz de escolher uma? O que é o racismo se não a “certeza” de que eu sou superior a você porque a quantidade menor de melanina da minha pele me torna "mais bonita e mais inteligente" do que você? O que é a xenofobia se não a “certeza” de que eu sou superior a você porque nasci no melhor país (estado, cidade, bairro, vila) do mundo e você nasceu em um "lugar ruim" onde “todas as pessoas são inferiores a mim”?

O que é a miséria se não resultado do descaso de pessoas que esbanjam amor próprio e se colocam em primeiro lugar? De pessoas que têm a certeza de que são ricas, cultas e poderosas porque são superiores às mais pobres? Se acham mais inteligentes, mais "aplicadas" e mais capazes. Para elas, pobres são apenas pessoas "inferiores e fracassadas", em algum nível nem pessoas são. Lembra do “porque eu mereci!”?

Essas pessoas se acham tão superiores que nem cogitam a possibilidade de que tenham recebido uma porção de benefícios a que outras pessoas, que elas consideram inferiores, não tiveram acesso. São exemplos perfeitos de pessoas cheias de amor próprio. Pensando nisso eu pergunto: O que são as frases do tipo “coloque-se em primeiro lugar” se não um incentivo ao mais puro egoísmo?

Prefiro colocar em primeiro lugar o amor, a amizade, o respeito e a empatia. Em primeiro lugar mesmo! Antes de mim. E juro que isso pode ter um efeito de autocuidado em muitos casos maior do que o "Você precisa amar a si mesma antes de amar alguém" ou o “Coloque-se em primeiro lugar” das frases de autoajuda. Deixa eu tentar me exemplificar um pouco melhor.

Quando fico doente, cuido da minha saúde porque amo meu marido e não quero dar trabalho e preocupação a ele. Se tiver um problema muito grande, ou mesmo a impressão de que tenho um problema muito grande, não vou cometer su1cíd1o porque amo minha mãe e não quero fazer com que ela sofra a perda de outra filha. Se estou triste posso encontrar uma pessoa amiga e conversar, falar e ouvir porque essa pessoa também pode ter razões de tristeza e podemos dividir nossas preocupações. Mas nem preciso falar da minha tristeza e das razões dela, posso conversar sobre o dia, lembrar momentos que passamos juntas, contar piadas, ver algumas obras de arte, caminhar por uma rua, comer e beber alguma coisa... Sempre saio melhor desse tipo de encontro, por mais triste que esteja.

Acho que todo mundo já viu exemplos de gente que tinha razões para se sentir mal e que conseguiu superar isso fazendo algo para ajudar outras pessoas. Em sala de aula acontece muito algo parecido. Quantas pessoas já ouvi contando que quando entram na sala de aula deixam os problemas do lado de fora da porta e cuidam de fazer o melhor pelas crianças ou adolescentes que estão diante delas? Quantas vezes eu fiz isso, chegando ao ponto de sair da sala feliz, pronta para encarar a razão da minha tristeza sob outro ponto de vista?

Enfim, nenhuma pessoa precisa ser egoísta para cuidar bem de si mesma e da própria vida, nenhuma pessoa precisa louvar o egoísmo para sentir que cuidar de si mesma é uma coisa boa de se fazer. No dia a dia, basta lembrar que um sorriso, um elogio, um olhar amoroso, uma frase de interesse faz bem às pessoas, principalmente às pessoas que amamos, e que para poder dar esse amor com verdade a gente precisa estar bem.

Esse é meu conselho de “autoajuda”: Cuide-se por amor às pessoas que você ama e que amam você, por respeito às pessoas com quem você convive e por empatia às pessoas que sofrem e que você nem sabe que sofrem nem o tamanho dessa dor. Não se coloque em primeiro lugar! Estar ao lado é bem melhor do que estar na frente.

Divina de Jesus Scarpim
Enviado por Divina de Jesus Scarpim em 24/07/2023
Código do texto: T7844853
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