O BÊ-A-BÁ DA MINHA INFÂNCIA

 

Não foi por acaso que encontrei a pequena menina da minha infância no caminho da escola. Caminhava sozinha, e muito apressada, parecia estar atrasada para chegar a tempo do início da aula. Antes, como sempre fazia, passava na bodega da esquina da rua que morava para comprar um pequenino pacote de bolacha ou uma cocada de leite com a moeda que ganhara do seu zeloso pai, para a merenda no horário do recreio, pois, era o que dava para comprar. Depois seguia com sua bolsa de plástico duro, feita na máquina de costura de sua mãe, debaixo do braço, dentro um caderno confeccionado de papel almaço pautado, também costurado, um lápis preto com uma borracha ponteira, uma banda de gilete para apontar o lápis, a tabuada e a cartilha de ABC. Ao sair da mercearia continuava sua caminhada numa rua íngreme que a conduziria ao quadrado onde ficava a cadeia pública da cidade, por detrás, ficava à sua escola numa casa de porta larga e um janelão. Possuía apenas uma sala de aula que ficava na primeira sala, uma mesa grande de madeira,  dois bancos  compridos e duros. Tinha uma lousa verde na parede, a caixa de giz sobre uma pequena mesa e o apagador. Sua primeira professora, uma senhora afável e paciente, chamada dona Natália. Logo, aprendeu o BÊ-A-BÁ e rápido escrever. Os números eram sua maior dificuldade. Seus pais já idosos e sem preparo e tempo disponível, não acompanhavam as tarefas, cada filho se virava como podia, como era o caso da garota. Somar, fácil demais, diminuir, dava para aprender, multiplicar e dividir, era o seu grande desespero, chorava aflita com a tabuada na mão por não ter quem lhe ajudasse. Mas a boa mestra aos poucos conseguiu enfiar os números em sua cabecinha e o resultado dos "noves fora"  acabou dando certo no final de suas continhas de matemática. Gostava muito da aula de geografia, de manusear o globo terrestre, de história, de desenho, amava pintar casinhas, árvores, chuva, céu, sol, lua, estrelas, nuvens e rios. Português era a melhor disciplina, juntar as letras, soletrar, formar as primeiras palavras e escrever o primeiro bilhete para a sua mãe querida. Encontrar a minha criança, naquela rua tão importante, rever a bodega da esquina, o caminho percorrido, o prédio da cadeia, o policial aposto na porta, empunhando  um fuzil, que fazia minhas pernas tremerem de tanto medo; a professora paciente que me ensinou a ler e escrever, rever a presença dos colegas, que nunca mais encontrei, o biscoito da embalagem branca, a gostosa cocada de leite, deixou-me nostálgica e feliz. A inesquecível moeda de um cruzeiro do meu pai, tornou-se um valor inestimável  por representar o cuidado, o carinho e o amor. Hoje uma louvável e doce memória.