PERRENGUES DO TEMPO

 

São tantos e tantos nós, rupturas, vindas e partidas. Acredito que meu primeiro desalento foi o meu próprio nascer para o mundo, a minha chegada indefesa, o corte do cordão umbilical, o desconhecido, o baque do frio no meu corpo, as batidas descompassadas do meu coração, o choro, o grito do estar aqui. As mãos firmes que me seguraram, estranhas, sem afetos, porém acolhedoras. A noite escura, a madrugada fria, chuvosa, tempestuosa, uma fotografia ali estampada do que estava para vir. As lamúrias de dor da minha mãe rompiam o silêncio iluminado pelo tênue candeeiro, que foi abafado pelo meu choro berrante, vindo das entranhas de um dolorido despertar. O aconchego de coeiros macios, da pequenina rede branca, armada no cantinho escuro do quarto, mãos agora amorosas, um abracinho apertado, doces sussurros de amor e uma canção de ninar calaram o meu pranto. Agora, sim, teria que seguir, enfrentar os perrengues da vida, plantar e colher os frutos do meu pomar. Caminhada ora sofrida, ora feliz. Tantas chegadas, tantas despedidas no vai e vem do tempo. Tempo que passou e tempo que vai num contínuo faz de conta, camuflando dores, reacendendo lembranças, deixando saudades e firmando memórias.