O Esquerdista

Subiu para seu apartamento. Estava sufocado. A falta de oxigênio nos pulmões e no cérebro, porém, não era proveniente de algum colapso de saúde ou de esforço físico, mas de revolta emocional.

Veio da praia caminhando até seu prédio e se deparou com uma cena nojenta: a polícia militar enquadrava alguns moradores de rua.

Viu assombrado quando um dos polícias deu um soco no ventre de um dos mendigos.

Quando algumas pessoas que passavam questionaram a truculência dos agentes da lei, estes passaram a enquadrar vendedores ambulantes também.

A poucos metros, alguns idosos portando bandeiras do Brasil, comemoravam e xingavam os oprimidos, sob as gargalhadas dos policiais.

Aquilo o deixou enojado. Suas origens progressistas o alertavam para o fato de que aquilo era reflexo da opressão das classes burguesas dominantes. A cadela do Fascismo.

Tomou uma ducha. Sentou-se no sofá e deixou que seu shih-tzu deitasse ao seu lado.

Deu ordem para que Alexa tocasse sua playlist de Pedro Mahal. Pelo i-food, pediu China in Box, em homenagem ao socialismo.

Enquanto esperava a refeição, ficou relembrando as imagens que testemunhou na rua.

Isso em plena Copacabana, era inaceitável.

Com estrondo sua mente relembrou as histórias que seu avô contava dos anos da Redentora.

Prisões, espancamentos, desaparecimentos.

O avô lhe narrara uma ocasião quando de uma invasão à uma faculdade para interromper uma reunião do movimento estudantil. Agrediram até mesmo uma estudante grávida.

Apesar de toda a luta, toda a perseguição, todo o medo, o avô lhe contara como venceram os militares.

Como recuperaram o direito à liberdade. A democracia veio com sangue e lágrimas.

Aquilo lhe contaminou as entranhas. Sabia que a onda de Fascismo que estavam vivendo, em muito se assemelhava a dos tempos idos.

Precisava fazer alguma coisa. Não aceitaria passivo o fim da democracia.

Pegou o telefone, discou para vários conhecidos.

Membros do sindicato, do movimento estudantil, alguns advogados, três músicos, um escritor, quatro artistas da TV, e até dois políticos.

Havia agendado para o domingo próximo. Todos confirmaram presença.

E alguns até mesmo trariam mais pessoas.

Os fascistas descobririam que não seria tão fácil derrubar a república. A democracia resistiria até o último suspiro.

Acendeu seu Cohiba, bebericou seu Macallan.

- Alexa, toca Chico!

Enquanto Chico entoava as primeiras frases de A Banda, ele estufou o peito, olhando para seu retrato de Hannah Arendt e sob os latidos entusiastas de seu shih-tzu, disse com a voz embargada:

- Domingo, meus camaradas, haverá sarau!

Tarciso Tertuliano Paixão
Enviado por Tarciso Tertuliano Paixão em 30/08/2023
Reeditado em 10/12/2023
Código do texto: T7874119
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