LIÇÕES INESPERADAS NA SALA DE AULA (“O homem nasce livre, mas por toda parte encontra-se acorrentado” — Jean-Jacques Rousseau)

Eu sempre adorei dar aulas de sociologia, mas confesso que às vezes me sentia um pouco frustrado com a falta de interesse dos meus alunos. Parecia que eles não se importavam com as questões que eu tentava levantar, com as teorias que eu tentava explicar, com as reflexões que eu tentava provocar. Eles só queriam passar de ano, sem se preocupar em aprender de verdade.

Mas, tudo mudou naquele dia. Naquela manhã de sol que inundava a sala de aula do primeiro ano "G" do Ensino Médio, as mentes dos alunos estavam mergulhadas em um profundo debate sobre a teoria de Rousseau. O tópico da discussão era a premissa de que o homem nasce puro e a sociedade o corrompe. Afinal, é na sala de aula que as sementes do conhecimento são plantadas, e naquela ocasião, o solo da mente dos jovens estava fértil para novas ideias.

Lembro-me de ter citado um provérbio da Bíblia que afirma: "Ensina a criança no caminho que deve andar e, quando for velha, não se desviará dele." Era um argumento a favor da influência da sociedade sobre o indivíduo, uma tentativa de demonstrar que o filósofo Rousseau não condenava a degeneração, mas sim a composição da experiência social que molda cada um de nós.

Contudo, como acontece muitas vezes na vida, uma simples palavra mal interpretada pode desencadear uma reviravolta inesperada. Já no finalzinho daquela aula, fui afrontado por uma aluna que tinha ouvido de outra colega que eu havia afirmado que "todos os indivíduos criados por avós não prestavam". Disse ela: "Eu fui criada por minha avó, então eu não presto?" Sim, eu tinha usado esse ditado popular para reforçar a ideia que não ajuda muito na educação da criança quando as normas são muito frouxas. "No estado em que já se encontram as coisas, um homem abandonado a si mesmo desde o nascimento entre os outros seria o mais desfigurado de todos." Essa era uma citação do próprio Rousseau, mas ela não sabia disso.

A ironia da situação é que a suposta "valentona" estava presente na sala o tempo todo, sem observar a discussão conversando e bagunçando. No entanto, a faísca que incendiaria nosso debate não veio dela, mas sim de outra aluna, que, apesar de não nutrir simpatia nem por mim, nem pela "valentona", sentiu a necessidade de nos colocar em lados opostos da contenda.

A partir daquele momento, a sala de aula se transformou em um palco inesperado para um embate de argumentos e emoções. A discussão evoluiu para um debate acalorado, onde cada palavra, cada gesto, era um passo na dança complexa das ideias.

Fui pego de surpresa, não apenas pelo calor do momento, mas pela profundidade das reflexões que emergiram daquele conflito aparentemente trivial. Fiquei impressionado com a paixão que os jovens demonstraram ao discutir suas origens, suas experiências familiares e as influências que moldaram suas visões de mundo.

Aos poucos, as tensões se dissiparam e o debate se transformou em um diálogo sincero. Percebi que ali, naquela sala de aula, não só estava eu ensinando, mas também aprendendo. A juventude, com sua vivacidade e ânsia por compreender o mundo, tinha me proporcionado uma lição valiosa: a importância de ouvir, de entender as perspectivas alheias e de reconhecer a complexidade das experiências individuais.

Naquele dia, eu saí da escola com uma sensação de gratidão e admiração pelos meus alunos. Eles tinham me mostrado que a sociologia não era apenas uma matéria escolar, mas uma forma de olhar para a vida, de questionar as verdades impostas, de buscar o sentido das coisas. Eles tinham me mostrado que a sala de aula era um espaço de aprendizado mútuo, de troca de saberes, de construção de conhecimento.

Naquele dia, eu aprendi que a crônica não era apenas um gênero literário, mas uma forma de narrar o cotidiano, de captar os detalhes, de revelar as emoções. Eles tinham me inspirado a escrever esta crônica, que você acabou de ler. Eles tinham me ensinado que o homem nasce puro e a sociedade o transforma. Mas não necessariamente para pior. Às vezes, para melhor. Rousseau tinha razão.