Uma freada brusca

Um ônibus deu uma freada busca. Por uma dessas lamentáveis omissões da Câmera de Vereadores, não há ainda nenhum projeto de lei que proiba a inércia dentro dos ônibus urbanos. O resultado é que a matéria de várias damas e vários cavalheiros de dentro do ônibus ofereceu severa resistência à semelhante freada.

Há certas coisas contra as quais é melhor não resistir, mas aceitar. Creio que os estoicos já disseram isso uma vez. E o próprio Cristo, no mais ignorado dos versículos, disse, certa feita, "não resistais ao mal". Ora, não há nenhuma dúvida de que a freada brusca era um mal. Resistiram a ela e disso, naturalmente, resultou um mal maior.

Um dama muito distinta quebrou o pé. Certo cavalheiro quebrou a perna. Outro houve que não quebrou nada, mas, em seu favor, seja dito que ficou severamente ferido nos olhos e na boca. Reportam-se ainda outros sete feridos com escoriações variadas. O motorista alega que, para evitar um acidente, freou, provocando o incidente.

Ora, é certo que os feridos não usavam cinto de segurança. E não usavam por duas razões muito justas: a primeira é que os ônibus não têm cinto de segurança. A segunda é que, mesmo que eles tivessem, seria muito difícil usar o cinto de segurança em pé - e, coincidentemente, todos os feridos estavam viajando em pé.

Sabemos que o cinto de segurança só vale para os carros. Apenas aqueles que muito trabalharam para comprar um veículo individual, mantendo assim a economia sempre aquecida, é que merecem ter o direito de viajar com segurança. Na meritocracia, tal cinto só pode existir aos bem-sucedidos que não precisam mais de ônibus.

O cinto de segurança em ônibus é inviável precisamente porque iria exigir que as pessoas viajassem sentadas. Em pleno 2023, já não há ninguém que acredite em um transporte público composto de pessoas que viajam sentadas. Isso exigiria muito mais ônibus do que temos a oferecer - em suma, isso significaria prejuízo certo.

Os bancos dos ônibus, em verdade, são um grande empecilho para a viabilidade do transporte coletivo, pois ocupam muito espaço e abrigam uma única pessoa em cada um. É por isso que os ônibus já estão com muitos menos bancos, e queira Deus que chegue logo o dia em que não terão nenhum, pois assim caberão mais passageiros.

Que uma ou outra pessoa quebre, de vez em quando, um pé ou uma perna, é uma contingência da vida, que deve ser aceita com resignação. A quem quiser evitar semelhante contratempo, basta segurar firmemente, com as duas mãos, nos ferros que encontrar e, na hora de freada, afastar um pouco a cabeça dos mesmos ferros.

Agindo dessa maneira, todos estão contribuindo para um sistema de transporte público viável, sustentável e, sobretudo, democrático.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 27/09/2023
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