NOTAS VERMELHAS OU O 6 DA MISERICÓRDIA? ("Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe". — Nelson Rodrigues )

Eu nunca imaginei que um dia eu teria que lutar por uma nota. Não, não estou falando de lutar para conseguir uma nota boa, mas sim de lutar para não dar uma nota boa para quem não fez jus, negava-me a ser objeto de prestígio para intercessores quem vieram me afrontar como se eu não pudesse fazer meu trabalho corretamente. Parece estranho, não é? Mas, foi isso que aconteceu comigo no novo normal. Deixe-me contar como tudo começou.

No velho normal, as coisas eram mais simples. Os alunos tinham uma frase que repetiam como um mantra: "Eu não posso ficar com nota vermelha". Era uma forma de se tranquilizar, mesmo que não se dedicassem muito aos estudos. Afinal, uma nota vermelha no boletim era só um detalhe que não mudava nada. Recuperavam o bimestre seguinte. E assim os professores seguravam os alunos atentos até o final do ano letivo.

Mas então, tudo mudou. O novo normal chegou e trouxe consigo uma nova mentalidade. Agora, os alunos dizem com imposição: "Não posso ficar com 6 da misericórdia!" Porque os professores estão sedento para aprová-los com nota mínima, o 6, mesmo aqueles que não fizeram nada no bimestre. Mas, isso era revelador, então eles encaravam como se uma nota 6 fosse a pior coisa do mundo. Como se uma nota 6 fosse um insulto à sua honra. Essa mudança, aparentemente sutil, revelou uma nova faceta da educação: a guerra das notas. O professor refém de coordenadores e das estatísticas faz o show de notas boas, ainda se justifica dizendo que com notas boas se fecha a boca de aluno barraqueiro! Todavia, está cavando sua própria sepultura, porque a maioria obtém as notas necessárias, logo no terceiro bimestre, e será impossível qualquer professor ministrar aulas no último bimestre. Se aprenderam valorizar demais as notas. E a escola desequilibrada e doida não pode dispensar aluno algum antes do último dia letivo do ano, por imposição da secretaria, mesmo tendo sido aprovado. E o lanche é abundante, então este vêm atrapalhar a aula dos que estão de recuperação. Economiza-se no conhecimento, mas não nas outras coisas.

Eu vivi essa guerra na pele, quando fui dar as notas do terceiro bimestre. Era um momento crucial para mim, como professor. Era o momento em que eu tinha que avaliar o desempenho dos meus alunos, com justiça e responsabilidade. Mas, o que deveria ser um exercício de avaliação se tornou um campo de batalha.

Nesse contexto, eu sofri pressões de todos os lados. Uma coordenadora me cobrava ansiosamente o fechamento antecipado das notas. Outra me pedia, quase implorava, para dar uma nota maior para uma aluna que não assistiu às aulas por causa de um atestado médico. Ela dizia que a aluna não aceitava somente um 6, que ela merecia, mas... Era como se a nota fosse uma mercadoria, e eu tivesse que barganhar, ou melhor, inventar.

Refletindo sobre esses episódios, eu percebo que a educação está em crise. Os alunos querem notas mais altas, sem se importar com o esforço. Os professores sofrem pressões para serem complacentes, sem se importar com a qualidade. Porém, a verdadeira lição que devemos aprender é que a educação vai além das notas e das manobras políticas. Ela é sobre o desejo genuíno de aprender, o esforço constante para melhorar e a busca incansável pelo conhecimento.

Nesse novo normal, onde a guerra das notas parece se intensificar, lembremos que nosso papel como educadores vai muito além de notas vermelhas ou 6 da misericórdia. É sobre inspirar uma paixão pelo aprendizado, mesmo que isso signifique enfrentar desafios e resistência. Afinal, é na sala de aula que moldamos não apenas o futuro dos alunos, mas também o futuro da sociedade. Que possamos lembrar disso, mesmo quando as pressões do presente ameaçam obscurecer nossa visão do que realmente importa.