Jesus e a guerra

O Papa pediu que parem a guerra. Não vão parar a guerra por causa do Papa, mas ele precisava mesmo falar essa obviedade, que está de acordo com o que ele acredita. A maior parte das pessoas que acredita nas mesmas coisas que o Papa, porém, não vê contradição alguma entre a mensagem do Evangelho e a da guerra.

Jesus nunca disse abertamente "não tomem parte em nenhuma guerra". E, como não disse, a multidão de seus seguidores se considera livre para empreender todo tipo de violência, inclusive em nome desse mesmo Jesus, e com tal retórica que tais matanças são consideradas abençoadas e obras de grande caridade cristã.

O mártir do Gólgota, no entanto, andou falando algumas coisas curiosas quando esteve por aqui, do tipo "Amarás o teu próximo como ti mesmo", "Se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra", "Fazei bem aos que vos odeias" e, provavelmente o mais ignorado de todos os versículos da Bíblia, "Não resistais ao mal".

Pode-se dizer que "essas coisas não resolvem nada, só pioram a situação, isso é impossível, só existe no mundo das ilusões e das utopias, isso é coisa de hippie que vive fugindo da realidade" etc. Sim, pode-se dizer tudo isso, só não se pode dizer isso e acreditar, ao mesmo tempo, no personagem que disse essas palavras.

O que tem sido feito há dois mil anos é tentar mostrar que essas palavras de Jesus não dizem o que parecem dizer, que são restritas a contextos bem específicos e que, em suma, é aceitável e desejável que o próprio cristão pegue em armas e transpasse de cima a baixo os seus inimigos (sem nunca deixar de amá-los fraternalmente).

Chegamos ao ponto de a Igreja Ortodoxa da Rússia considerar que o pacifismo é uma heresia, donde se conclui que o próprio Cristo foi propagador de heresias, e mais do que nunca se percebe que há uma gigantesca distância entre aquilo que forma o conjunto de crenças de uma igreja e o que se observa pela leitura do Evangelho.

Saúdo quakers, anabatistas, menonitas, irmãos morávios, valdenses medievais, doukhobors, shakers, cristadelfianos, huteristas, amish, molokans, a Igreja da Irmandade e até as testemunhas de Jeová, igrejas tratadas como seitas, das quais podemos discordar de muita coisa, mas, ao menos, consideram Jesus e a guerra inconciliáveis.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 22/10/2023
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