Origem

Um pajé disse que as plantas têm lugar.

As plantas de sol chegam primeiro no campo de batalha, preparam o local para as que vêm depois. São mais agressivas, yang. Dormem ao relento e vêm as estrelas como nenhuma outra. Deixam suas partes que se misturam com a terra, de onde brotam aquelas que precisam de mais recurso, as de sombra.

As plantas de lugar fedido, lugar onde poucas se estabelecem, alimentam os locais onde muitos animais desovam, procriam em águas salobras de mangue e marisma e brindam a em fertilidade.

As de lugar alto compõem a paisagem dos elementais. No topo de um lugar, em meio a neblina e a garoa de sempre, aparecem, conforme o céu reflete o seu azul. Musgos e liquens envolvem as árvores de tamanho menor, devido a intensidade de sua existência, em meio às intempéries de altitude rarefeitas.

As plantas da areia vivem do balanço do ar, maresia, gotículas de nutrientes dispersas ao vento, são suficientes para a dinâmica de sua existência no movimento das dunas. Quando os olhos fecham, aparecem em flor, no contorno da instabilidade das correntes marítimas.

As plantas que se fixam nas pedras criam um universo de detalhes de folhas, texturas e cores, bagas, capsulas e pétalas. Suas raízes criam o substrato, no processo geomorfológico, a rigidez cede espaço para a diversidade. Com o passar do tempo, a entropia vence a rigidez e recria realidades no universo de múltiplas possibilidades.

As de brejo, em detalhes únicos, se estabelecem onde não é possível. Ambiente úmido, onde o solo ainda é criança e não para quieto. Poucas espécies criam um ambiente difícil de entender.

A minoria domina o estrato superior. A maioria umbrófila, se estabelece na inconstância.

Sentimos o alumínio compondo a química de um ambiente restritivo e anaeróbioco,

condicionado às inundações periódicas dos corpos hídricos. O solo grey reflete o excesso de ferro na condição que lhe fora imposta ali.

Quebra o padrão do seu significado rígido, uma cor refletida em solo mole, hidromórfico, ora higrófilo. As crianças precisarão se tornar densas e profundas. Processo que seguirá por anos, além da nossa existência e percepção de tempo. Depois disto, a maioria poderá sobrepor-se as dominantes. A maioria prefere o caminho do meio onde os recursos estão disponíveis.

Há plantas que se fixam em outras para o seu desenvolvimento. Recebem nutrientes de forma específica e se devolvem em seiva e assim se nutrem e se alimentam em igualdade, na beleza da flor de uma orquídea. Planta que coexistem em harmonia, no equilíbrio dinâmico, se complementam.

Há plantas que nem cor de clorofila têm, se fixam em outras e usurpam até a última gota de seiva, até impedir a sua função e realização, base do vigor de um indivíduo. Vampiros e parasitas coexistem em nosso nicho, muitas vezes, quando se percebe, já é tarde. No hospício estão apenas aqueles que não sabem fingir.

Existem plantas que se repelem, onde uma está a outra não ocorre. Realizam uma guerra química, alocam mais recursos que a outra que sai do ambiente. No balanço da dinâmica e do equilíbrio. Ambas disputam recursos para a sua sobrevivência, desde quando nascem. Em primeiro plano, o indivíduo, depois o próximo. Sobrevive quem melhor se adapta à adversidade e aquele que mais aloca o que precisa para o seu desenvolvimento. Questão de oportunidade.

Com a idade, o ambiente natural tende a se acalmar. Tende a ser mais mutualístico, assim como nós. Ninguém resiste ao tempo, as mudanças de estações e as fases da lua. Depois que caem todas as folhas, quando nossa seiva se esvai, se tem cerne, é o que fica. O tempo é uma unidade de medida onde cada um dimensiona a sua escala. Transcende a lei que nos foi imposta em dogmas. Dependendo da espécie, é possível ressignificar a adversidade em nutriente e armazenar energia.

Algo incerto ocorre em flor, entre os cálices, um fruto segue a sua sequência. A dinâmica foi selada e transferida para os descendentes. Este é o ponto onde buscamos explicar os mistérios da criação. Mais simples tocar a cor da delicadeza do desabrochar da primeira pétala no condão de uma fada. Na manhã seguinte, observar a dança das melíponas dispersando pólen para todo o sistema. Provar do doce gerado no cálice cromado pelo toque divino. Mais do que pensar, viver o momento único que poderá ser prolongado através do sentir, essência da menor partícula do que existe.

Em cada ambiente o desafio diante da adversidade. Em cada nicho, uma oportunidade de olhar maior e se reinventar.

Ser planta, é ser estratégico e sintetizar o que nos é disponibilizado.

Ofertar-se a toda uma rede viva em cadeia, dependente de quem não sai do lugar.

As plantas têm lugar. A cura segue a mesma lógica.