DEZEMBRO PERFUMADOS

Esta crônica maravilhosa faz parte da "velha guarda" do RL, num tempo em que usava-se muito a emoção ,

e política ,diferente do que se vê hoje, não era o prato principal do recanto.Foi escrita em 2009 ( ano em que ingressei no site) e fico comovido a cada vez que a leio.

Não sei da grande cronista VANY GRIZANTE, autora do texto, mas guardo com carinho as lembranças de um tempo em que fui bem atuante aqui no recanto e tive a honra de ser comentado por ela.

Hoje tomo a liberdade de compartilhar este texto maravilhoso que consta de sua escrivaninha:

Dezembros perfumados

Ele tinha um cheiro diferente, acho que saberia de sua chegada apenas pelo olfato. Algo como um cheiro de chuva misturado a algum perfume de flor que não consigo mais identificar. Ou era apenas minha expectativa?

Porque, nem bem ele chegava, vinha o cheiro de bolo assando, e era um bolo diferente dos bolos simples de sábado. Naquele havia recheio, cobertura, alegria e às vezes uma velinha, quando algum parente ou amigo vinha para tomar um guaraná conosco. Minha mãe, para minha total frustração – a da criança que não compreendia que festas gerariam gastos incompatíveis com nossos poucos recursos - nunca foi de comemorações; mas sempre deixava algo pronto para quem vinha, lembrando da data. Que era sempre uma festa para meus olhos infantis.

E depois disso havia as férias. Ah, as férias. A possibilidade de acordar mais tarde, de ler Tio Patinhas o dia todo (e o cheiro do papel já antigo, pois os gibis eram lidos e relidos ano após ano), de ver as tardes passarem, de tirar livros na biblioteca municipal, de andar de bicicleta. Eram curtos nossos distanciamentos de casa, apenas de fins de semana até a fazenda em que meu avô trabalhava, na cidade vizinha; mas o fato de acordar muito cedo, ver o sol nascer na estrada e dormir em cama alheia era sempre como se fosse uma grande viagem. Que tinha cheiro de mato, cheiro de terra, cheiro de lenha. Principalmente cheiro de lenha.

Quando o final se aproximava, os cheiros mudavam: agora eram de frango assando, de pêssegos, de plástico novo. Um cheiro de novidade, cheiros que não se repetiam em todo o resto do ano. Mesmo sem grandes comemorações, nossos natais eram pacíficos e geravam em meu espírito ávido de festa uma expectativa diferente: logo em seguida, o ano acabaria, e mesmo que, de dentro de casa, apenas pudesse sentir o cheiro da pólvora imaginando os fogos de artifício que pipocavam no ar à meia-noite - enquanto meu irmão saía com amigos, minha mãe dormia e meu pai assistia à São Silvestre – o clima de reinício enchia minha alma de infantil expectativa: em breve sentiria o cheiro de papel dos tão esperados cadernos novos!

E mais um ano começaria, sem que eu me desse conta de que, a cada dezembro, minha infância se distanciava um pouco mais.

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Vany Grizante