Bagunça de mãos e tintas.

Eu acordo em ladeira preguiça, e demora um pouco ainda pra que o teto me caia nos olhos, as texturas do mundo e o som do lá fora saibam que eu existo, se somem ao meu barulho de cores.

Vou em automação pro ritual diário e intocável, ignoro a agitação alheia. Banheiro. O mau humor me toma um pouco, primeiro porque não consigo pensar e reagir direito aos outros, que balançantes afiados, parecem ter começado a vida bem antes de mim, aceleração. Assim não.

Os dias tem que começar devagar, o meio dele pode ser como for, um teleco teco de tudo de drama e caos, mas o começo é começo.

Vejo meu pai, dou um beijo nele, coloco café. Vejo o celular, mainha quer saber de mim. O segundo mau humor veio no café, que já morno, desiste pra mim de ser calor e é só materia inerte e gelada.

Então vou correndo atrás do 3° ato da manhã: Leitura.

Esse aqui é talvez o mais delicado e perigoso de todos, partir dele é que o meu coração e a minha cabeça se espalham pelas horas.

Digo perigoso, pois é como o céu de um quadro de paisagem. Se você erra o céu, se mistura os azuis e chega num tom impreciso, se derrama as nuvens de um jeito artificial, máquina, o quadro de paisagem vira erro antes de ter nascido. Não queremos isso.

E dessa vez a leitura foi uma bagunça de mãos e de tintas, todas vermelhas. Li o "Quando o amor vacila". Enquanto leio, já sinto os muitos cheiros almoços, de doçura quente e casa: hoje é almôndega.

E é assim num de repente que a manhã se anuncia, e em outro também vai embora.

"Quando o amor vacila".

Eu acredito em tudo,

mas eu quero você agora.

Eu te amo pelas tuas faltas,

pelo teu corpo marcado,

pelas tuas cicatrizes,

pelas tuas loucuras todas, minha vida.

Eu amo as tuas mãos,

mesmo que por causa delas

eu não saiba o que fazer das minhas.

(...)

Eu te amo de alma para alma.

E mais que as palavras,

ainda que seja através delas

que eu me defenda

(...)