Dois jagunços, a fogueira e seu Rosa

Dois jagunços, depois de um exaustivo dia, a beira da fogueira conversam, proseiam, como se diz nessas bandas. Aqui não serão nomeados; para diferencia-los serão usados apenas seus codinomes, isto é, o nome que são chamados no bando.

_ih é Laço Forte, então, vósmicê, com toda essa pompa, quase um engomado, vem me dizê, cheio de rodeio, que o sinhô, o mardito dono da fazenda, não fez por mal!?

_ Acho que não, Olhos de Lince. Penso que a coisa aconteceu por descuido mesmo

_ Ora, ora, que tú sempre foi miolo mole, eu já sabia. Passar cera pro mardito, isso é novidade. Então, tu vai dizer mesmo que foi por descuido?

enxotar a velha daquele jeito, como se fosse um cão (nem cão merece aquilo!), chutando e xingando foi descuido!? Onde já viu um troço daquele. Enxovalhar a velha na frente de todo mundo. Só mesmo um sujeito sem coração faz isso. Mas tú é um cabeça oca mesmo. Só um sem miolo ia acreditar nessa coisa de "descuido", só o que faltava, um mulambento como tú defendendo o patrão. Arre! Só de pensar...

_Ih, não acho não. Não acho que o patrão fez errado, não. A veia, faz tempo, que vem que provocando o patrão. Océ não vê? Não vê ela andando por aí, fazendo nada? O patrão paga pra trabalhar.

_ Pra trabalhar, não se escreva. O mardito acha que dar um prato de comida já paga. Sujeito mais que sem coração.

Ocê, ocê mesmo, acha certo isso?

_ O que, do que Cê tá falando?

_ Arre! Mas tú é um toleimado mesmo, cabra! Tô falando do mardito explorar a mulher! Ocê acha que um prato de comida é paga pra trabalhar de cedo inté de noite, inté a hora de todos já está dormindo?

_ Não acho, não. Mas é melhor que fica por aí, assim, nos canto, sem abrigo, sem comida. Ocê mesmo, não fosse o bom coração do patrão, ocê, às veis, ia está por aí, igualzinho a véia, sem nada. Dormindo nos canto, comendo das migalhas.

_ Ah, pois sim! Venha com essa não. O patrão inté que quis isso, mas eu, preste atenção cabra, não falar de novo, presta bem atenção, eu tenho brio, visse. Vai pensando o C que eu admitir um troço desse! Não nasceu cabra nenhum pra me fazer cabresto. Arre! Que o C já me deu gastura com essa conversa mole.

_ Calma, calma. Num falei pra brigar. Descurpa.

_Descurpa, descurpa, fala besteira, depois vem "descurpa". Você é um troncho, isso que é.

Homem igual tu, não é homem não. É um vivente. Vem ao mundo sem saber porque veio. Oc acha mesmo que falar com a pessoa daquele jeito, maltratar daquele jeito, é descuido? Olhe cabra, nem com tu eu ia concordar se o mardito tratasse oc daquele jeito. É muito da ruindade. Gente sem coração...

_ Diadorim?

_ Diadorim!? Que é isso cabra, me chamando com nome trocado é?

_ Não. É que oc se parece muito com Diadorim, a filha do seu João Rosa

_ Quem é esse João Rosa?

_ Pai de Diadorim, tio -avo de Riobaldo...

_ ih, ih, sei quem é não!

_ Seu João Rosa, dono da fazenda Campo Geral...

_ Ih, complicou -se, agora é que não sei mesmo.

_ Diadorim, não, Olho de Lince, seu João Rosa é homem mais que sabido. C acredita que o homem foi inté pras Europa?

_ Ih, foi é? Já ouvi falar dessa tal de Europa. Deve ser bem bonita. É longe, Laço Forte?

_ Ouvi dizê que é do outro lado do rio. É muitas léguas, tem que andar dias e dias no lombo de cavalo.

_ Eita, que assim, é longe mesmo. Do outro lado do rio, dia e dia a cavalo, eu que não ia aguentar isso não. Prefiro fica aqui mesmo. Essa terra eu conheço. Sei onde ponho os pé. Gosto disso não, de pisar em terra que não conheço. Eu, cruz credo, valha me nossa senhora.

_ Olho de Lince?

_ Que é?

_ Vamos deixar esse assunto pra lá?

_ Que assunto?

_ O assunto da veia.

_ Ih, Oc vem com isso de novo!? Já nem pensava mais nisso.

_ Tá bom, não si fala mais nisso, Olho de Lince, não vai levar pra lugar nenhum. Noi não vai mudar as coisa. Desde que esse mundo é mundo, ói, faz bastante tempo, as coisa é assim. O patrão manda, o peão obedece...

_ hi, para, não vem com esse troço de "patrão manda, o peão obedece". Esse negócio de pensar assim é a melhor coisa pra eles. Oc acreditar nisso é tudo que eles qué. Se for pra falar besteragem, fica queto.

_ hi é, c tem razão, tá certo mesmo. Eu aínda penso...

_ Num pensa não.Fica sem pensar mesmo. Quando oc...pensa...

_ Fala, fala o que c tá pensando de eu pensar

_ Nada não, Laço. Oc é meu parceiro, a gente inté que briga, mai semo parceiro.

_ É mesmo. A gente é parceiro...

_ Vamos drumi vamo. Amanhã a gente sai antes do Sol. A lida vai ser dura. Boas noite, Laço Forte.

_ Boas noite, Olho de Lince.

_ Laço Forte

_ Que é?

_ Gostei oc me chamar Diadorim, é bonito.

Olho de lince, fechando os olhos..."Diadorim, Diado...."