Marituba

O ano era por volta de 1976, num domingo qualquer; estava na casa da titia Dina brincando com o Higino, quando, o Botinha chegou convidando:

- Ginoca, bora pra Marituba?...

Na pausa daquela pergunta, fiquei na exclusão. Meio deslocado, em meio ao alvoroço emocional e de logística daquela manhã, que se formava. Enquanto, Dona Leonilde calmamente adentrava a casa da tia e lá fazia o convite formal, que a tia sorrindo, olhando para o tio Ademar, como se pedindo a aprovação dele, aceitava contente.

Aldenir, Júnior, Adevaldo se arrumando, tia Dina e tio Ademar encaminhando a vó Nazaré, que não ia na empreitada, as coisas da casa, enquanto Higino e o Edson botinha imaginavam o que iriam fazer no terreno.

Meio que entristecido e deslocado, em meio ao novo assunto, comecei a sair cabisbaixo, quanto a tia me vendo sair perguntou a sua vizinha:

- Dá pra levar o Betinho?...

No ar a pergunta, meu coração pulsando pausado, meus olhos entristecidos já me negavam sonhar com uma resposta positiva, por causa da baixa estima.

Aquela, que poderia ser uma aventura e tanto, afinal eu não conhecia o lugar, estava em xeque. Mas ai, foi nesse interim, que dona Leonilde olhou-me e disse criando todo um suspense:

- Espera ai Dina, que vou perguntar se o Filho vai. Por causa de vagas no carro.

Sem esperar, dramaticamente choroso fui me saindo devagar em direção a minha casa, quando no cruzamento da Bernaldo Couto com a Wandenkolk Ginoca e Botinha alegres me alcançaram , que fez o Higino dizer:

- Betoquinha, tem vaga no carro. Bora lá com a Maria, pedir a ela pra tu ir também.

A felicidade daquele momento entranhou na minha alma como um fogo ardente, que nem pensei mais em nada.

Juntos corremos e ao chegar, a mamãe estava terminado de fazer umas batatinhas fritas e a salada com camarão, feijão verde, ovo, alface e azeite de oliva Beira Alta, quando entramos suados.

Vovó estava lavando uns pratos, em pé no giral, vovô lendo aquele jornal e mamãe com a nossa entrada brusca tomou um susto e disse:

- Credo vocês não param, parece um bando de cavalos correndo.

Em seguida enxugou as mãos no guardanapo e observando o nosso alvoroço perguntou:

- O que foi meninos, aconteceu alguma coisa?

Imposto a mim a tarefa de pedir falei:

- Mãe, é que, a tia Dina mandou perguntar pra senhora, se me permites ir com ela ao terreno da dona Leonilde?

Ela olhando os meninos como a torcer por uma resposta positiva...Sob suspense perguntou:

- Quem vai?

Eu respondi:

- Mãe... a tia Dina, o tio Ademar e os meninos.

Como a enfrentar um julgamento a vovó respondeu:

- Acho melhor ele não ir, passou a semana com tosse e não obedecia ao meu chamado, para sair do sol.

Vovô por outro lado contestava:

- Maria, minha filha deixa o menino ir, ele quase nem sai.

Minha mãe toda taciturna respondeu:

- Vá. Pegue a sua roupa de banho, mas cuidado lá. Obedeça a sua tia, que eu vou saber como foi o teu comportamento lá.

Já sem ouvir mais nada, corri no cesto de roupas a procurar o meu velho short de banho. Beijei-a agradecido, abracei o vovô e beijei a vovó e juntos, eu, botinha e Higino saímos correndo do beco, onde morava rumo a casa da tia Dina.

lá chegando a Rural estava cheia, só os mais velhos e a Brasília do Filho estava sendo preparada, onde só os mais novos entravam.

Fomos com a parte de trás aberta a ouvir no toca fitas as musicas do Bee Gees e devido ao nosso entusiasmos, mesmo sem compreender a língua, fizemos logo uma versão do refrão dos embalos de sábado a noite, que não saia de nossas bocas contagiando a todos e hoje, ainda ronda a saudade das nossa lembranças...

Gritávamos mais ou menos assim:

- Mama, mama, Marituba, Marituba...

Lembro como se fosse hoje, aquele vento arrancado a força da velocidade do carro assomado a nossa alegria fazia ascender a fantasia de criança, jamais lida nos contos infantis.

Quando chegamos, podíamos ver o igarapé raso todo cercado, que limitava o terreno, passando por trás de uma casa toda aberta, em madeira.

Após o igarapé, uma mata fechada cujo acesso se dava por um tronco de árvore, que debruçava há tempos o seu corpo como jazigo.

Do outro lado havia um taperebazeiro fino, que os meninos maiores escalavam e de lá pulavam na parte funda do igarapé, que eu, como não sabia nadar nem me atrevia.

Lá pelas dez e meia da manhã cansados de tanto mergulhar e pular a maioria dos meninos ficou no tronco, como que descansando. Quando eu, Ginoca e botinha resolvemos passar entre eles pra explorar a mata. Nesse momento, Júnior, outro primo se levantou pra ir conosco, quando Vando, um dos filhos da dona Leonilde, sem saber me empurrou no igarapé, na parte funda.

Sob um Deus me acuda, cai dentro dá água escura como uma agulha, causando desespero a todos, que ali ficaram atônitos e sem reação, enquanto Edson e Higino gritavam:

- ei ele não sabe nadar.

Júnior, meu primo, de um pulo na parte funda, mergulhou e foi me empurrando para que eu chegasse ao tronco, onde o próprio Vando tomado de preocupação me agarrou pelos cabelos e me puxou, tirando- me daquele sufoco.

A voltar a normalidade, só vinha em minha cabeça a perguntar, se minha mãe soubesse, com certeza não iria mais me deixar ir, caso houvesse uma outra vez.

Após a recomposição do sustos, fomos almoçar. E depois disso começou o outro lado da aventura. Nos embrenhamos a seguir o curso do igarapé até chegarmos a uma compota, onde teríamos que mergulhar para passar pelo quintal de outro dono.

Com a chuva caindo, as nuvens fechando um temporal na mata, a porta da vontade escancarada, algo começava a nos limitar. Mesmo sem saber nadar, sabia mergulhar e foi o suficiente pra passarmos e vermos um novo horizonte, que a curiosidade intensa do lugar nos colocava, mas o tempo e o tamanho da descoberta, nos posicionou a confabular e a decidir apenas planejar para explorar uma outra vez, porque já estava tarde.

Voltamos na mesma pisada, pois em função do violento temporal, árvores caindo, o igarapé se agitando, animais peçonhento poderiam surgir ali e o principal, já ouvíamos nossos responsáveis, preocupados gritarem nossos nomes sonoramente:

- Édson, Higino, Betinho...Júnior.

O que nos deixou mais apreensivos. Mergulhando e saindo da água a correr pela mata, entre o empurra empurra das árvores deparamos com um ninho de aranha, suas teias estavam vivas, mas nem quisemos saber e passamos até aparecermos na ponta do tronco, que ligava a mata ao terreno, passando por cima do igarapé.

Sob uma casa, meia telha eles se abrigavam da chuva forte e dos trovões, que parecia cair na terra. Os carros estavam todos arrumados, prontos pra seguir viagem de volta a cidade e nós com cara de saudade, querendo ficar, mas o dia já findava.

Sem chances de ficar mais um pouco, aproveitamos a cestiada da chuva e seguimos viagem, cantando o refrão de nossa musica...Má, má, mama, Marituba, Marituba... sem deixar de ouvir o vento e as gotas de chuva nas árvores, fazendo os sapos mexericarem no mato a perguntar um pro outro:

-O que foi, foi, foi...o que foi, foi...

Além dos pássaros a pipilar em seus ninhos, qualquer coisa como felicidade, afinal a paz estava lá e a alegria vinha com a gente.