Stalkers

Terminei de assistir a estarrecedora minissérie de sete episódios, na Netflix, intitulada “Bebê Rena”. Baseada em fatos reais, conta a história de Donny Dunn (interpretado pelo ator Richard Gadd, também criador do programa), um comediante fracassado que passa a ser implacavelmente perseguido pela ex-advogada Martha Scott.

Difícil não se comover com Donny. O cara só se ferra na série. Ele já havia sido vítima de estupro e abuso sexual em eventos ocorridos antes dos acontecimentos envolvendo Martha. Como a minissérie é autobiográfica, meu sentimento de comiseração foi ainda maior.

Aterrador foi assistir que a desgraça, que veio como uma avalanche na vida de Donny, foi desencadeada por um simples ato de gentileza. O comediante dá uma xícara de chá “por conta da casa” para Martha, quando ela aparece pela primeira vez no pub onde ele trabalhava, em Londres, no ano de 2015.

A partir disso, Martha aparece regularmente no estabelecimento e começa a flertar abertamente através do uso de apelidos “carinhosos”, como “Bebê Rena” (o que explica o nome da série), entre outras coisas. A situação só piora daí em diante. Mas não vou entrar mais detalhes. Chega de spoiler.

O que me deixou intrigado e perplexo, repito, foi como o ato gentil serviu de gatilho para o desastre. Isso mostra como pode ser perigoso praticar gentileza com desconhecidos. Não se trata aqui de defender a tese esdrúxula de que temos que absolutamente evitar sermos gentis para “prevenir”.

Até porque o stalker (adjetivo que caracteriza perseguidores obcecados por outra pessoa), muitas vezes, não precisa de uma “abertura" gentil de seu alvo, para emplacar sua perseguição obstinada e nociva.

Nunca fui vítima de stalker. Porém, escutei histórias escabrosas que corroboram a tese exposta no parágrafo anterior.

Por exemplo, na faculdade de Jornalismo onde estudei, na graduação, uma amiga me contou que um colega de sala estava perseguido uma jovem da mesma turma.

- Ele me mandou um áudio em que chora e diz coisas com raiva. - ela me disse.

- Porque ela rejeitou ele? - perguntei.

- Sim. - ela me respondeu.

Ela me fez escutar o áudio. O que ouvi foi um misto de tristeza e ódio expressos por um rapaz aflito. Entre os lamentos, ele demostrava raiva porque a mulher teria dito a ele que tinha namorado, quando na verdade não tinha. No entanto, o que ele disse, logo após xingá-la das coisas mais repugnantes possíveis, me deixou em alerta: “ela não tem namorado p… nenhuma! Eu investiguei ela por cinco meses! Cinco meses!”.

O rapaz começou sendo um stalker online. Durante cinco meses vasculhou as redes sociais da mulher por quem ele estava apaixonado. Ao concluir que ela supostamente não tinha namorado, tentou se aproximar dela, foi rejeitado e então se tornou um stalker ainda pior e passou a persegui-la na faculdade.

Não sei exatamente qual foi o desfecho da história. Posteriormente, eu comecei a conversar com a vítima da perseguição, mas nunca quis questioná-la a respeito desse triste evento em sua vida. Porém, como ela parecia muito bem e feliz, como ninguém comentou mais nada e como o rapaz parecia ter “voltado ao normal”, pude concluir que tudo acabou bem.

Entretanto, foi um evento assustador até para quem estava de fora, como eu. O medo da tragédia provém da imprevisibilidade da situação. Como vimos em “Bebê Rena”, Martha Scott se tornava mais perigosa e violenta à medida que se tornava mais imprevísivel. Portanto, não se sabe como a situação acabaria se o rapaz ficasse mais instável.

Mas não vamos cair na demonização rasa. Fiquei comovido com o protagonista de Bebê Rena. Todavia, foi difícil não sentir um pouco de empatia com Martha. Ela era advogada, o que significa que em algum momento da sua vida ela era mentalmente estável a ponto de possuir alta educação. Algum evento (ou eventos, no plural) provocou-lhe um colapso mental. O que seria?

Assim como senti empatia pelo meu colega na faculdade. Não faço ideia de quais fatores estariam por trás de sua transformação em um stalker, apenas sei que esses fatores existem.

De qualquer maneira, o mundo está perigoso até para quem oferece um chá gratuito ou para quem rejeita um pretendente amoroso.

RoniPereira
Enviado por RoniPereira em 28/04/2024
Reeditado em 28/04/2024
Código do texto: T8051790
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.