O HOMEM DO PAPAGAIO E OUTROS DEVANEIOS
Lílian Maial

 

Acabei de saber da morte de um vizinho que residia no mesmo andar que eu. Começou com uma dor no peito, não quis ir ao hospital. Daí, a dor aumentou, se rendeu aos cuidados, foi levado às pressas para atendimento, mas não resistiu. 
Ele tinha um papagaio, que alegrava nossos dias, com sua conversa de papagaio. 
Ele também fumava muito e não dispensava a cervejinha diária.
Meus cachorros gostavam de ir até ele toda vez que eu ia descartar lixo no coletor e ele, por acaso, abrisse sua porta.
Não o conhecia mais intimamente, ele morava ali havia pouco tempo, mas era um homem simpático e preocupado em não incomodar. 
Sempre perguntava se o papagaio perturbava, mal sabia ele que amamos todos os animais e não nos aborrecemos com seus barulhos.

Não era para eu sentir tanto, mas senti. Não entendo bem o porquê, levando em consideração que não éramos tão próximos. No entanto, inúmeros sentimentos se misturaram em mim. Uma pena, uma saudade, uma ansiedade…
Pena de não ter tido mais tempo de conhecê-lo melhor e ao seu papagaio, talvez compartilhar uma cerva gelada. Soube que os papagaios costumam morrer após o afastamento do tutor. Será? Será que papagaios não suportam a saudade? 
Saudade do rosto alegre me cumprimentando todas as vezes que nossas portas se abriam simultaneamente e os cachorros o cheiravam de rabinhos abanando.
Ansiedade por ser mais uma morte tão perto de mim. 

Não há como não pensar em como foi ele e como poderia ter sido eu. Não há como não perceber que os amigos estão morrendo mais rapidamente e que eu também estou nessa lista, só não sei em qual numeração. 
A morte é o maior de todos os mistérios. Tudo o que é vivo, vai morrer. Eu sei disso desde que perdi minha avó materna, aos 5 para 6 anos de idade. Porém, desde então, me mantenho inquieta com esse fenômeno. Por que, quando, como, onde? Vou sofrer? Terei tempo de me despedir e dizer e fazer tudo o que preciso antes? São questões que passei a vida toda driblando, mas que o avançar dos anos faz aflorar. Mais, ainda, se temos mortes próximas.

Sei que tenho mais passado que futuro e que meu presente já não comporta todos os meus sonhos. Mas ainda tenho sonhos. E vou colocando em prática todos os possíveis. E vou amando diariamente, todas as horas do dia, porque só o amor nos redime, só o amor desafia o tempo. 
Eu amo tanto, que me penso imortal. 
É através do meu amor que ressuscito meus ancestrais, que conforto meus descendentes, que rego minhas plantas e afago meus animais. Ou, quem sabe, regue meus ancestrais, afague meus descendentes, conforte meus animais e ressuscite minhas plantas?
É desse amor que me alimento. É com esse amor que sigo viva, que danço, que canto, que escrevo e digo poemas. 

Não! A morte não me assusta! 
Diria que me deixa curiosa, um tantinho ansiosa e com uma enorme sensação de desperdício. Mas não me assusta. 
Ou melhor, me assusta, sim, saber que vou deixar meus amados e que ninguém cuidará deles como eu.  Contudo, enquanto isso, vou me abrindo em sorrisos, versos e abraços, para que meus amados todos saibam o quanto os amo e o quanto sou grata por ter a oportunidade de conhecê-los e conviver com eles. Vou espalhando vida enquanto me é possível. Semeando poesia e cumprindo o papel de passar por esta vida viva.
Viva! 
E que nossos mortos todos tenham
paz!