NUM DIA DE DOMINGO

Lílian Maial

 

Hoje está um domingo pecaminoso, dia inteirinho de preguiça. Num desses momentos sem fazer nada, me peguei lendo textos da amiga Rozzi, especialmente um sobre lembranças dos domingos de sua infância.

Os da minha infância não eram exatamente como os da infância da Rozzi, mas seu texto me trouxe recordações viscerais!

Meus domingos da infância eram, invariavelmente, acordar cedo para ir à missa, depois, quase sempre, almoço ou na casa dos pais do meu pai, que não eram muito afetuosos (que mamãe não gostava muito de ir), ou na casa do meu tio, irmão de mamãe, que era uma pessoa alegre, brincalhona e musical. Ele integrava a ala de compositores de uma escola de samba antiga — Império da Tijuca — e sempre havia música em sua casa, fosse samba, bossa nova ou seresta. Esse meu tio era mais pobre do que a gente, morava no morro da Formiga, numa casa simples, com a esposa e três filhos. Meus primos eram todos mais novos e eu não via muita graça em lidar com eles, mas acabava participando das brincadeiras com

eles e minha irmã caçula, e foi como aprendi a soltar pipa na laje e a jogar bolinha de gude.

Num determinado ano, houve uma enchente no Rio de Janeiro e essa casa do meu tio desabou, felizmente sem ferir ninguém, mas os deixando desabrigados. Assim, passaram um período hospedados (amontoados) na nossa casa, que tinha apenas sala e 2 quartos, até conseguirem um lugar para eles.

Meu tio trabalhava na Rede Ferroviária Federal e conseguiu uma casa onde hoje é a Radial Oeste, em São Cristóvão, pela Rede. Era uma casa grande com o quintal amplo e tinha espaço pra brincadeira de bola e pra churrasco, que meu pai adorava fazer, quase todo domingo. Lembro do cheiro do carvão virando brasa, da linguiça, da alcatra, do frango e do pão de alho. Papai preparava a salmoura e aspergia as carnes com um molho de cheiro verde embebido na salmoura. Ficávamos - as crianças - em volta da churrasqueira, esperando provar um pouquinho de cada coisa. Mamãe e minha tia aprontavam o arroz soltinho, a farofa, a salada de batatas e o molho à campanha. Era uma delícia! A conversa rolava solta, as risadas, piadas, música! Adorávamos cantar e dançar! E ainda tinha a sobremesa, que era banana d’água assada na brasa, geralmente com uma generosa bola de sorvete e salpicada de canela. Isso quando não tinha um incrível pavê de três andares, que minha mãe fazia com um creme amarelo, de ovos e leite condensado, camada de biscoito champanhe molhado no Nescau e a cobertura que era clara em neve, açúcar e creme de leite. Não sobrava nem raspa na travessa!

As atividades domingueiras eram sempre complementados pelo Programa Silvio Santos (eu adorava o quadro “Qual é a Música”), e meu pai levava o radinho de pilha, para ouvir a transmissão do futebol das 17 horas. Era a hora que indicava que o domingo estava acabando e dava uma sensação estranha que, mais tarde, entendi ser melancolia. Meu tio era flamenguista, papai era tricolor doente! Nos domingos de Fla x Flu não íamos na casa desse tio, que sempre acabava em provocações e brigas.

Nos dias de ir à casa dos avós paternos, a comida era árabe, e vovô gostava de fazer quibe e arroz com macarrão frito (Riz Chairie). No inverno, vovó fazia Shish Barak, que era uma sopa de coalhada com capeletti: divina! Mas não havia música, nem brincadeiras, nem afeto. Eram muito secos conosco, talvez porque criassem minha prima mais velha, filha da filha, e as atenções e o carinho, naturalmente, eram para ela.

De volta à casa, era o tempo de arrumar as coisas para a escola no dia seguinte e ver algum programa, acho que um daqueles filmes enlatados, porque ainda nem existia o Fantástico, que, mais tarde, passou a ser o encerramento dos domingos.

A infância foi passando, a inocência também. Eu me formei, me casei, meu pai morreu cedo, nem chegou a conhecer os netos, meus tios se separaram. E eu me vi fazendo para os meus filhos tudo o que os meus pais faziam para que os domingos fossem especiais: café da manhã caprichado, almoço que alternava entre macarronada com carne moída ou assada, ou estrogonofe, ou frango assado com batatas e farofa. Vez por outra, um prato mais elaborado e sobremesas copiadas de revistas.

Ainda guardo as lembranças dos sabores, dos sorrisos e das músicas, daquela felicidade que não precisava de muito para nos tatuar.

Feliz domingo!