Me reorganizei assim que cheguei em casa, assim que fechei a porta, assim que esqueci do mundo lá fora. Corri feito alucinada para dentro de mim, do meu espaço, do meu tempo, e abri as cortinas, as portas, as janelas, abri as gavetas, deixei o ar entrar, oxigenei o lar. Estrategicamente eu venci o mundo mais uma vez, pelo menos por hoje conservei a minha energia vital. Ousei e visitei antigos livros de poesia, precisei de uma pausa para recomeçar. Tomei um banho, lavei os cabelos, ignorei o espelho, fiz as unhas, um bolo, um chá e caminhei pela casa com o prato em mãos e paquerando a vida.

Claro que falo sozinha enquanto caminho, sussurro bobagens, converso com as muitas especialistas de coisa nenhuma em mim. Todas erram. Ou não. Não sei. Passei rapidamente diante do espelho só para debochar e dizer que o único receio que tenho hoje é me perder de mim. E o mundo faz isso! Mas tudo que a gente cuida bem dura mais, apesar da brevidade de tudo.

Quando chego em casa eu me sinto em paz, me sinto acolhida dentro de cada coisa que escolhi e arrumei, cada cheiro bom de amaciante vindo dos armários, das flores, das cores, e isso me doeu demais ao imaginar todos aqueles que perderam suas casas em catástrofes, entes queridos, é como perder o mundo construído dentro de quatro paredes, a própria identidade, a memória, a sensação de segurança. De um momento para outro tudo vai embora! E fica um vazio imenso, um "Era uma vez"  sem tempo para despedida, o olhar atordoado diante das sobras. E a vida se transforma num imenso retalho. Um vazio sem tamanho, uma dor indescritível. E existem saudades impossíveis de superar e histórias impossíveis de reconstruir.

O lugar onde habitamos, o lar que construímos, as memórias que ali se formam... A casa da gente é vivida, sentida e onde recuperamos a nossa coragem. E tem gente ainda que não valoriza nem o pão que come e o teto sobre a cabeça.