PRA PENSAR NA VIDA

Diz que era um homem que vivia sempre sentado num banco de praça. Não tinha filhos e nem mulher. Sofria de uma doença muito grave, não tinha plano de saúde, por isso vivia sempre na fila do SUS. De hospital em hospital era a sua peregrinação, ou melhor, sua via crucis. Vale ressaltar, que isso não é novidade pra ninguém no Brasil, aliás, o quadro ainda se agrava mais quando se trata dos velhos. Todos são iguais na fila do SUS. Isso mesmo, o desrespeito é tamanho, que as filas são intermináveis para todos, não importa a idade, o sexo, o tamanho dos cabelos ou do nariz. Entretanto, todos concordam que a classe social importa demais, afinal já viram ricos na fila do SUS.

O fato é que os olhos do cronista começam a marejar sobre o texto, principalmente escrever sobre o senhor Rosardo Antonio da Cunha. Homem honesto e trabalhador. Embora, velho cansado e acabado pelo tempo, o que é pior descartável para muitas pessoas, que sempre diziam:

- “É só fechar os olhos e deitar, pronto está lá o morto”.

De tão frio o dia, ele fechou os olhos e deitou-se no chão da praça, não esperou a morte chegar, fez do gesto um símbolo diabólico e pusera fim a sua inútil vida. Entretanto, ele não morreu, apenas adormecera como forma de protesto contra todos, inclusive contra si mesmo, afinal não agüentava ser velho no Brasil. Sonhara com dias melhores. O seu corpo inerte e gelado foi embalado num terno listrado e num caixão de papelão e, finalmente velado na capela da igreja. Era velório comum, sem flores ou arranjos, apenas suas economias advindas da pensão do INSS (não era rico, uns R$ 500.000,00 que foi colocado no caixão como ultimo desejo).

Como sempre nesse país, sempre existem os engraçadinhos de plantão, mesmo antes de fechar a tampa do caixão, ele espinafrou no velório:

- Espera, não fecha a tampa! Está aqui o cheque pré-datado. Se ele precisar é só descontar em “agosto de Deus” no Banco!

- UAI! Estou correndo de cheque pré-datado. Se quiser, eu divido de três vezes sem juros no cartão. Falou o senhor Rosardo Antonio da Cunha com os olhos bem vivos.

OBS: VELHO MAIS NÃO TROUXA! CASO SEJA NOTA PROMISSÓRIA ELE AINDA PENSA NO CASO.

Osório Antonio da Cunha
Enviado por Osório Antonio da Cunha em 22/01/2008
Reeditado em 22/01/2008
Código do texto: T828201
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