Textos não têm honra


     Abro este ensaio com uma citação de Fernanda Mussalim(1): 
     O objetivo do leitor crítico: explorar a ligação entre as significações produzidas e as formas lingüísticas mobilizadas. (p. 15) 

     O contexto do poeta: sua Escrivaninha. No caso do Recanto das Letras, procuro ler, além do texto focado, o perfil do autor, a sua produção completa ali exposta e todos os comentários afins. Não dispenso nem mesmo comentários deste escritor a outros, em suas escrivaninhas. Nem sempre, porém, consigo fazê-lo.
     Inicia-se então o fascínio da coisa. Porque, uma vez produzido e publicado, o texto parece ao seu autor acabado e (quantas vezes!) perfeito.
     E não: aí começam suas trajetórias pelo domínio social --- a comunidade de interlocutores, que, de novo e individualmente, o refletirá e emitirá (ainda que para si) juízos de valor:
     ---  Eu? Comentar isto?! Fala sério...
ou
     --- Puxa, que lindo!

     Logo os textos se apresentam, na expressão de Fernanda Mussalim, como "produtos coletivos em constante processo de re-elaboração" (p. 23)
Desfilam eles, assim, ao nosso sabor de traças, que os selecionamos, digerimos e nos manifestamos:
     --- Delicioso!
ou
     --- Arghh!.... 
    
     Aí reside o embate: quanto uma traça publica sua opinião-que-maravilha!, tudo bem:
     --- Não falei? Eis meu talento reconhecido!
     --- Isto sim é leitor! Interpretou exatamente o que eu quis dizer!
     Quando porém externa uma opinião-que-horror!, nada bem:
     --- A minha honra!...
     --- Minha obra-prima, que escrevi de um jato!...
     --- Mas com tantas opiniões favoráveis!...
     --- Quase 50 mil leituras!...
     --- O administrador do site não enxerga essas injustiças?!
     --- Aí já é perseguição!
     --- Vamos nos unir contra, gente!

     Quantos brios ofendidos! Quanto melodrama inglês-vendo! Quantos poemas titubeantes! Quanta diletância ilusória, exigindo reverências shakespearianas!
     Fosse eu um texto, diria apenas: Escreva-me melhor, cavalheiro. Molda-me como um cântaro forte e trabalhado. Ou não chegarei inteiro ao imenso oásis da próxima geração...
     Evite, substitua ou controle palavras como:
     a) os adjetivos profundo, lindo, poético, bom, belo, excelente, maravilhoso
     b) os verbos ser, estar, ter e haver
     c) os pronomes eu e você
     d) os advérbios bem, muito. 

     Senhores, textos não têm honra. Nem desonra. 



    
        Notas:
     (1) Linguagem - Práticas de Leitura e Escrita (vol. 1), de Fernanda Mussalim. Coleção Viver, Aprender. Global Editora Ltda., SP, 2004. 

 
Enviado por Jô do Recanto das Letras em 01/02/2008
Reeditado em 12/10/2013
Código do texto: T842753
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