Série "Ditados na berlinda" 2: Gosto se discute?

Tenho uma postura profissional um pouco diferente de uma parte de meus colegas arquitetos. Para mim, o profissional que lida com criação, em especial a criação de espaços que serão utilizados diariamente por seus proprietários, tem o dever de tentar traduzir, da forma mais fiel possível, os desejos deles – e jamais impor seu gosto pessoal. Por isso, não me conformo muito (e nem gosto) quando o cliente me diz algo como “você é quem sabe”, “escolha você”, o que você fizer está bom”. Por sorte (ou porque não sou uma profissional de “grife”, cujas obras já vêm pré-aprovadas desde o projeto, independentemente de seu resultado estético), isso não me acontece com freqüência. Mas, quando acontece, fico lisonjeada pela confiança depositada - porém internamente acredito que, das duas, uma: ou o cliente está totalmente alheio à transformação pelo qual seu espaço vai passar, ou então prefere se abster para depois poder criticar livremente caso não aprove o resultado. Ambas as posturas são cômodas para ele.

Gosto quando as escolhas suscitam discussões entre o profissional e o cliente. Na minha opinião, o arquiteto (e o decorador, o estilista, o publicitário, o cabeleireiro, a manicure, o maquiador, o cirurgião plástico, enfim, qualquer profissional que lide com transformações estéticas que sejam a expressão de outrem) deve apenas direcionar as escolhas do solicitante. Temos a técnica, temos a visão global, temos a experiência, temos um certo apuro estético advindo da educação, da informação e da prática – mas o gosto pessoal continua sendo único e, de certa forma, insondável. Assim, quando o cliente ainda não tem uma idéia formada sobre o que gostaria de ver instalado em seu espaço, gosto de sondá-lo, extrair dele a maior quantidade possível de informações e apresentar-lhe soluções variadas - e assim pedir sua opinião, possibilitando-lhe escolher a opção que melhor se adapte ao seu gosto, direcionado pela coerência estética e funcionalidade prática. O resultado é sempre melhor do que o simplesmente imposto pelo gosto pessoal do cliente, sem direcionamento, ou pela pretensa bagagem do marketing estético-cultural do arquiteto, sem questionamento.

Minha prima Maria Alice, aqui do Recanto (a mesma que, no excelente conto "Clandestino" imaginou uma busca sem sucesso por um cartão sem dizeres) me contou que ela e a filha andaram por aí à procura de um fichário para a garota, e em meio a dezenas de possibilidades nada encontraram que fosse do gosto delas. Admito que minha prima é uma pessoa culta e de estilo “clean”, assim como sua filha, e que, num mercado abarrotado de apelos televisivos e publicitários, um fichário sem a foto de um pretenso ídolo juvenil ou todo enfeitado com ícones da adolescência não teria uma aceitação muito grande. Mas, onde ficam os consumidores mais exigentes, como elas? Por que se nivela o gosto por baixo, popularizando o “kitsch” em detrimento da simplicidade? E não é verdade que esta minha última frase já vem tendenciosamente carregada de impressões pessoais?...

Realmente, a discussão sobre estética pode render muitos e muitos textos, já que lida com o imponderável: o gosto pessoal, que mescla bagagem cultural, experiência pessoal, personalidade individual, tendência a deixar-se envolver em modismos e inconsciente coletivo. Assim, só me resta citar uma pessoa muito querida que, inteligentemente, costuma dizer: “Gosto não se discute. Lamenta-se”.