Tempos Bons

Certa vez, um ajudante de maquinista que tinha uns 20 anos, me disse que tinha pena das pessoas da minha geração, pois nós devíamos ter vivido, na nossa mocidade, uma época bem monótona, sem grandes divertimentos, ao passo que eles tinham de tudo: músicas, cinema, televisão, e um futebol cheio de grandes jogadores.

Então, eu lhe disse que não trocaria o meu tempo de criança e adolescente por nada deste mundo, pois eu vivi como todos da minha idade (nesta época eu deveria andar pelos 48 anos) o apogeu do cinema, do rádio, do futebol.

Namoros nos jardins ao som de uma bela banda, não destas de quatro cabeludos de camiseta, às vezes sujos, e embalados em muitas ocasiões por meios pouco recomendáveis. E mais uma infinidade de outras coisas como o carnaval, quando todos os compositores mais famosos lançavam uma ou mais músicas: sambas, marchas e hinos para as festas de momo.

Carnaval que era realmente uma festa, pois o povo, 2 meses antes, já aprendera a letra de muitas músicas, que já deveriam ter sido lançadas, para o evento. Umas 50 ou 60 e cantadas por verdadeiros cantores e cantoras, e não por animadores de auditório: Roberto Silva, Orlando Silva, Osni Silva, Rui Rei, Nuno Rolan, Gilberto Alves, Carlos Galhardo, Francisco Alves, Déo, Alcides Gerardi, Sílvio Caldas, Jorge Goulart, Joel e Gaúcho, Francisco Carlos, Caco Velho, Jorge Veiga, Moreira da Silva, e mais: Araci de Almeida, Emilinha Borba, Marlene, as irmãs Batista (Linda e Dircinha), Dalva de Oliveira, Isaura Garcia, Elza Laranjeira, Elizete Cardoso e outras mais, se encarregando de espalhar pelo rádio os grandes sucessos. Então eu peguei a melhor parte do carnaval.

Realmente ainda não tínhamos a Televisão, mas estávamos no melhor momento do Rádio. Emissoras como a Mairink Veiga, a Tupi-Tamoio, a Nacional, a Record, a Difusora, a Tupi paulista, a Cultura, a Bandeirantes, a Cruzeiro do Sul, a Pan-americana, e muitas outras, que tinham elencos de grandes artistas que marcaram época e que ficaram para sempre no coração de todos que tiveram a felicidade de viver esse tempo.

Vou dar um exemplo do que era o rádio. A Rádio Nacional do Rio, que muitos desqualificavam por ser mantida pelo governo de Getúlio Vargas, cumpriu, fielmente, o seu papel artístico. Sempre se mantendo isenta nos noticiários políticos de sua programação.

Para isso o Governo Vargas tinha o Departamento de Propaganda, que atuava no Brasil inteiro. E quando Vargas queria que alguma coisa fosse divulgada, todas as emissoras do pais eram obrigadas a fazê-lo.

Mas voltando à parte artística, essa emissora, a PRF8, tinha a seu serviço os melhores radio-atores, radio-atrizes, humoristas, animadores de auditório, músicos, redatores, locutores comerciais ou esportivos.

Somente para lembrar a programação de um dia da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, aos domingos era assim: iniciava as 6:00 horas com um jornal falado que ia até as 7:00 horas, sempre apresentado por bons locutores, como Reinaldo Costa, com excelentes entrevistas com pessoas esclarecidas.

A programação continuava, depois, com vários programas de belas músicas clássicas ou populares, incluindo músicas de raiz, cantadas por Luiz Gonzaga, Pedro Raimundo, Serrinha e Caboclinho, Venâncio e Corumba, e outros. Ai chegava o meio dia e era o encontro com Francisco Alves, o Rei da Voz. Isso ao vivo num auditório de 500 lugares.

Às 13:00 hs um programa humorístico, como o “Doutor Infezulino”, com bons atores: Brandão Filho, Floriano Faissal, Ema D´Ávila, Henriqueta Brieba, e outros. Às 14:00 hs começava “A Hora do Pato”, um programa de calouros, com Jorge Cury. Às 15:30 hs tinha início a "Jornada Esportiva", com Antonio Cordeiro, Jorge Cury e Luiz Alberto.

Por volta das 18:00 hs, após o futebol, começava o programa "Piadas do Manduca", com Renato Murce, Lauro Borges e Castro Barbosa.

Às 20:00 hs “Tancredo e Trancado”, com Brandão Filho e Apolo Correia. E às 21:00 horas “Papel Carbono”, um programa de calouros, apresentado por Renato Murce e Terezinha Nascimento.

E para encerrar o domingo, um vasto programa de músicas com as orquestras da Casa, conduzidas por Lírio Panicali, Radamés Gnattali, ou Ércule Vareto, entremeados com o regional de Dante Santoro ou do Maestro Chiquinho acompanhando Linda Batista, Dalva de Oliveira, Carlos Galhardo, Rui Rei ou Albertinho Fortuna, dentre outros.

Quem viveu essa época, pode se orgulhar de ter ouvido tudo de bom que o rádio apresentou e que jamais voltará a produzir.

Com isso dei ao meu ajudante uma pequena amostra da minha adolescência e dos meus anos seguintes. Época que foi rica em rádio, cinema e futebol, e que muito contribuiu para a minha formação como homem.

Acredito que todos que vivenciaram essa época sempre terão algo de muito romântico e feliz para lembrar.

Laércio
Enviado por Laércio em 05/02/2008
Reeditado em 06/02/2008
Código do texto: T847151