Quando os lábios se encontram

E nada do que dizia fazia sentido, apenas se enrolava mais a cada palavra. Tentava demonstrar tranqüilidade, mas gaguejava, sua inteligência era questionada por ele próprio. Talvez fosse a presença de Viviane que o deixava desta forma, desconcertado e perdido. Talvez faltasse algum detalhe para quebrar o gelo daquela situação, vislumbrando de longe a forma da menina se portar. O sorriso dela era o que o atraía e também o inibia, faltava coragem e também capacidade para se aproximar. Todos estes pensamentos assombravam a mente de Caco enquanto admirava o amor de sua vida no outro canto do barzinho, romanticamente iluminado por luzes prateadas tal qual o luar da noite ali fora, onde a liberdade pulsava e as pessoas riam e se escondiam atrás de suas fraquezas.

Sozinha com sua garrafinha de água mineral, Viviane faz dezenas de caras virarem seus pescoços, mas dá atenção apenas ao rapaz tímido da outra ponta do bar, que tem medo de encará-la nos olhos. Isso a deixa intrigada. Será receio, será que está ignorando e nem a notou, pensa a garota, ingênua, sem perceber que Caco está apaixonado por ela desde o segundo copo de cerveja que tomou. Ela lança-lhe olhares discretos, sorrisos tímidos e provocantes, Caco evita, até não percebe. Viviane não sabe o que fazer para que Caco se dirija a ela. Nenhuma mulher faz questão de se mostrar muito para um cara, mesmo que esteja interessada elas preferem manter a elegância e, claro, o orgulho e a tradição, de serem perseguidas, desejadas.

Mais um copo de cerveja e Caco parece começar a sentir-se confiante, ignorância pensar que o álcool irá o ajudar neste momento. O rapaz ainda é imaturo, sim, porém seus sentimentos são verdadeiros, ele realmente se encantou por Viviane. Pena que ela está lá do outro lado, pensa ele, como vai fazer para ir até ela, o que vai dizer? Dúvidas e mais dúvidas, sua cabeça é um ponto de interrogação até que um rapaz se aproxima de Vivi e a tira para dançar.

Surpresa e assustada, a jovem aceita o convite, apesar de relutar e olhar na direção de Caco para ver sua reação. O movimento do bar a impede de enxergá-lo e acaba sendo conduzida à pista, para não dizer puxada. Enquanto ilumina o salão com o brilho de seus acessórios, brincos enormes, pulseiras e uma tornozeleira reluzente, ela tenta notar onde Caco foi parar. Será que ele foi embora, ela supõe, sem entender de onde nasceu o interesse por um desconhecido e menos ainda o fato de estar dançando com um cara que se apresentou com um apelido. E o cara ainda começa a falar besteiras no seu ouvido e a apertar, chamando atenção de todos à volta enquanto a garota tenta se desvincilhar. É quando o herói aparece. Caco surge das sombras e tira o outro de perto de Viviane, mas logo leva um soco de um dos amigos do cara. Em instantes os seguranças do local aparecem e o acertam mais uma vez, o imobilizam e o conduzem para fora do recinto. Justo ele que pensava estar fazendo o certo acabou com sangue pelas faces e expulso do pub. Viviane ainda não acreditava que havia sido Caco quem a tinha ajudado, as amigas diziam que era um maluquinho qualquer que estava solitário no bar, bebendo e com uma cara de intelectual.

Decidida, Viviane sai do recinto também e vai à procura de Caco, seu príncipe às avessas. Até o encontrar limpando o sangue com um guardanapo pela rua, sequer sabia o nome dele. Nem mesmo quando se aproximou e quando os lábios se tocaram essa formalidade foi importante. Caco sentia que havia recebido o soco mais doce do mundo e nem percebia que o rosto que acariciava era o mesmo que o deixara apaixonado há alguns minutos. E a noite seguia, com histórias mais belas como esta em outras esquinas, mas também com desencontros, divórcios e separações em outros lares. A vida e suas imperfeições se misturando e se transformando a cada segundo. E a lição de Vivi e Caco é que mesmo tomando as atitudes erradas, se o ideal for verdadeiro, se houver um pouco de amor, a tendência é que os lábios se encontrem.