O Amor Mais Interessante

Para Frorzildinha

As crianças possuem uma maneira peculiar de demonstrar amor, carinho e atenção. Os adolescentes manifestam seus sentimentos sorrindo ambiguamente, enviando cartas ridículas de amor, presenteando caixas de chocolate ou simplesmente demonstrando irreverência em algumas situações.

Os jovens amadurecidos optam por ações amenas e orçamentariamente aceitáveis. Os adultos se perdem ora em proezas, ora em arrependimentos. Os mais de setenta anos conhecem bem, por experiência própria ou por desazo alheio, as agruras sentimentais. São cautelosos. Outros, céticos. Alguns, inteiramente despreocupados.

Sendo criança, adolescente, jovem ou bem vivido, o amor encanta, envolve e surpreende. Principalmente quando, munido de todas as características para fracassar desde a primeira hora, revitaliza vidas.

Assim aconteceu a Ele. Depois de anos perdidos em trabalhos, em privações e em empreendimentos instáveis, de um momento a outro encontrou uma mulher sorridente, divertida, extrovertida e inteligente. Convencera-se do simples flerte.

Ela nunca saíra da cidade, trabalhara desde cedo, aproveitara os bailes e as saídas noturnas nos fins de semana. Não se banhara no mar nem se surpreendera com Maringá. A juventude abreviara-se explicavelmente: a maternidade exigira mudanças na rotina. Mudanças que a levaram a trabalhar catorze horas diárias como maneira de ocultar a confusão e o espírito belicoso de seus sentimentos.

Os flertes tornaram-se freqüentes. O conteúdo das mensagens eletrônicas, intimista e atraente. As fugas no meio do expediente aumentavam o sentimento de aventura, de perda, de celeridade. Os olhos se cruzavam freqüente, silenciosa e intensamente.

Ele acostumara-se a ignorar os sentimentos. Porém, numa dessas manhãs de domingo em que se discute culinária ou literatura, uma imagem trespassou-lhe os olhos, mexeu-lhe o pensamento, atingiu sua memória. Descobriu que a amava. Que todas as aventuras anteriores não ultrapassavam o limite da paixão.

Ali, sentado à mesa, descascando batatinhas enquanto a fitava escolhendo panelas, guardando pratos, retirando verduras da geladeira, decidindo o cardápio, avaliando vinhos e refrigerantes, confabulando o ponto do tempero e questionando o frio ao cair da tarde, Ele soube que descobrira o Amor Mais Interessante.

O amor possui várias espécies, mas apenas as pessoas amadurecidas têm a capacidade de mudar de gradação e encontrar o Amor Mais Interessante. Ao Amor Mais Interessante não se dá crédito, não se atribuiu valor, não se devota confiança ou esperança, não se criam expectativas nem se comemoram os anos.

O Amor Mais Interessante recebe este nome porque de um flerte percebe-se casualmente que – sem aquele jeito de sorrir, de olhar, de conversar, de inquirir, de discordar – sem aquela mulher a vida transformar-se-ia num martírio em que o peso não seria viver sem ela, mas viver com todas as mulheres possíveis e descobrir que só aquela, a que se perdeu, realmente importava.

Depois de trajetos inconstantes, Ele amou, sentiu-se amado e compartilhou com Ela as experiências de amar interessantemente, do Amor Mais Interessante, o amor próprio ao amadurecimento.

*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) em 23 de agosto de 2007.