Grande Lacuna do Ser

“Se só me faltassem os outros, vá lá. Uma pessoa se faz mais ou menos pelas saudades que sente. Mas me falta a mim, e essa lacuna é tudo.” Machado de Assis.

Preciso de uma trilha sonora para minha vida. Talvez deva começar a compor músicas. Mas sou tão ignorante melodicamente que prefiro poupar o mundo de meus abortos musicais. Vou procurando de álbum em álbum as canções para os momentos…

A música ideal agora seria uma música de procura. Estou em intensa procura, procuro a mim, procuro a mim nesse emaranhado sem nexo que vem a tona no dia-a-dia. E cada vez me reconheço menos, e cada vez a angustia aumenta. No espelho da alma se rabisca um ser, com certas preferências e convicções, mas nisso que vem a tona me reconheço cada vez menos. É tão difícil essa transição de ser o que você acha que deve ser para o que você quer ser. Procurei em meus atos hoje uma gota de amor, uma gota sequer, e não achei nenhuma. Será que estou me tornando amargo? Isso seria tão frustrante. Mas acho que amargo ainda não, estava com medo de verbalizar essa pergunta e acho que isso já é uma prova de que ainda não estou amargo. Triste talvez, é, triste. Isso eu estou. Mas me permito estar triste, o momento da transição é cruel, é muito difícil confrontar dogmas milenares e condutas de comportamento aceitável, e ainda, tudo o que esperam que você seja com o seu eu verdadeiro. Até o mais corajoso dos seres sente medo e fica triste. Ainda bem que me resta coragem, coragem de verbalizar (escrever) isso e cuspir-me para fora de mim.

Vejo em vocês, meus futuros leitores, meus analistas. Venho aqui hoje expurgar meus demônios, escrever para vocês o que seria cruel demais para eu dizer para mim mesmo. Por isso, vocês que buscam um sentido nisso tudo, se não o encontrarem, não se desesperem, falo de mim, de meu mundo e meus fantasmas. Deve ser por isso que o Cazuza tinha medo de fazer análise e perder a inspiração, que banal seria a literatura e a música se não existissem as angústias. Todos já teríamos esquecido Shakespeare se Romeu e Julieta tivessem vivido felizes para sempre. E quem diria que ele inventou o ser humano se Hamelet fosse um neurótico normal? Somos feitos de angustias e de momentos, e é nessa maré que navegamos, por sinal estou num momento triste de minha existência. Acho que esse momento começou não porque eu percebi que me faltava a mim mesmo, mas porque eu descobri como é doloroso me trazer de volta.