O filme.

Aquelas vozes não calavam, gritavam.

De meu corpo era desprendido o princípio vital.

Consegui transpor barreiras psíquicas, tornando-me um espírito.

Meus aposentos, como habitual, estavam intocados, puros.

Caminhei por estes e vi meu corpo desfalecido.

Meu peito, em chamas, era rasgado por uma energia sobrenatural.

As luzes, vindas, se chocavam com o teto, transformando-o em uma imensa tela.

Nesta, todas minhas dúvidas eram esclarecidas.

As primeiras cenas, emotivas, mostravam aquele garoto correndo nos campos de centeio, brincando de ser feliz com tão pouco.

Deitei ao lado de meu corpo.

O abracei como um filho abraça um pai.

Estava apavorado, precisando de forças para seguir mais esta viagem.

As cenas, daquele filme em preto e branco, me emocionavam.

A história do garoto, com suas idas e vindas, em universos paralelos, em sociedades distintas, era trágica.

Não conseguia interagir, de forma completa, com nenhum dos universos.

Por conseguinte nunca era aceito.

Fora comunicado, pelo corpo simbólico, os valores e normas de condutas culturais, necessárias, para viver em sociedade.

Mas, ao perguntar-me, quem sou eu?,

A resposta não aparecia de forma clara.

Já marcava, no relógio, 4h da manhã.

Os pássaros, em revoada, passavam pela janela.

O dia já estava para nascer e ainda, o filme, não chegara ao final.

Momentos, despertados pela angústia, eram freqüentes, ainda mais nos últimos anos.

Sei que, ao acordar, não lembrarei de tudo que passara nesta noite.

Mas, algo ficará. Tornando as lembranças, das noites insones, uma realidade assustadora.

Ficará, no ar, aquele convite feito à loucura.

Se, esta, quiser me possuir, não resistirei.

Só espero que, louco ou não, aquele sonho ou fuga do corpo, aconteça novamente.