Dias Estranhos

Se eu pudesse escolher, todos os dias em que eu estivesse inspirado para escrever estariam chuvosos e frios. O maior problema, é que esses seriam os dias mais comuns. E daí, como nasceriam as plantas se o astro rei se olvidasse sempre atrás das nuvens? Como se tivesse preguiça de levantar. Não considero esses dias tristes, apenas dias íntimos. Acho que os consideram tristes aqueles que não conseguem se unir a eles mesmos, que não conseguem aceitar os meandros de sua própria personalidade. A pouco também eu torcia por dias ensolarados, principalmente em finais de semana. Aqueles dias que nos arranca de nós mesmos sempre depois de um convite irrecusável de uma pessoa irrecusável.

Os dias chuvosos e frios nos trazem a nós, nos fazem íntimos dos monstros e dos anjos que vivem em nós. E odiamos, não as gotas de água que caem valentes de alturas indizíveis, mas a libertinagem que vemos no monstro e a inocência que vemos no anjo. Nós, homens e mulheres da nova era, não podemos ferir nem nos enganar. Somos máquinas que devem ser preparadas para viver. Mesmo que esse viver signifique não sentir, não experimentar nada além daquilo que nos tira de nós mesmos. Mesmo que signifique não nos encontrarmos com nós mesmos num quarto vazio, com um espelho, que nessas horas consideramos malditos, porque nos mostra não aquele rosto saudável e sorridente que apresentamos nos meios sociais, e sim aquele ser que vive em nós, aquele ser que realmente somos, que chora a cada desventura, que ri a cada migalha de atenção recebida.

Esses dias são os melhores para um escritor, que joga em papeis e teclados aquilo que queima seu ser, aquilo que o faz rir e chorar, aquilo que o faz ferir e curar. E nesses dias mais do que nunca um escritor encontra temas. Mais do que nunca um poeta encontra musas, porque é dentro de cada um que nascem tantos personagens e histórias. É nesses dias em que temos de viver em nós o que facilmente poderia ser jogado fora numa mesa de bar ou numa roda animada. Nesses dias não podemos fugir do monstro do espelho, que ri e nos aponta o dedo, sabendo o quão dolorido vai ser assumir que temos espadas sempre apontadas a todos, e que primeiro ferimos para nos defender, e depois procuramos saber se o ferido realmente queria nos machucar.

Nesses dias temos que perceber a lágrima de criança do anjo, que chora por ter acreditado. Que chora por ter amado e que sente raiva por ter sido enganado. Nesses dias é que temos que assumir que anjos e crianças sentem raiva. Nesses dias que temos que assumir que somos crianças inconseqüentes e anjos ingênuos. Nesses dias de chuva, em que nada parece se encaixar e que tudo parece aparecer.