A Cura do Hipocondríaco

Vou lhes falas um pouco sobre José, amigo meu que faleceu há uns três dias.

Veio-me na mente sua história, por saber que existem varias pessoas com a mesma doença que ele teve, mas que as vezes nem sabe que isso é uma doença.

Então, vamos a José.

José era hipocondríaco

.E creio eu que ninguém nasça assim, acho que são fatores psicológicos que tendem a tal doença.

O fato é que José era fisicamente saudável, até demais na sua infância e juventude, onde dificilmente era acometido por qualquer doença, e até a gripe, que é um mal ao qual todos estamos expostos, parecia correr do sujeito.

Mas o que incomodava José era outro mal: a timidez.

O rapaz era tímido, mas incrivelmente, só com pessoas do sexo oposto.

Cresceu assim, num ambiente onde não lhe faltavam amigos, mas sempre do mesmo sexo que ele, é claro.

No inicio foi fácil, qualquer menino em sua infância ligeira, aprende a odiar as meninas.

Agora, sua puberdade foi constrangedora.

Quando lhe afloraram os desejos da carne, a falta de contato com o sexo oposto o deixava louco.

Via moças em filmes de cinema, e ficava horas ensaiando frases ante o espelho manchado de seu quarto.

Chegou até a apaixonar-se profundamente, por volta dos seus 15 anos, mas sua timidez acabou o deixando sem jeito na hora de se declarar à moça, que anos mais tarde, declarou também lhe ser apaixonada, mas tímida confessa.

Assim, José só conseguiu a primeira namorada, com seus 19 anos, idade avançada para se namorar em nossa época.

Ainda assim, foi a moça quem lhe pediu em namoro, chegando a ir até a casa de José para pedir permissão aos seus pais para que o namorasse.

Os amigos lhe zombavam por isso, mas para ele, ela era a namorada perfeita, a espontaneidade que lhe faltava, nela sobrava e muito.

Assim, José, secretamente, fazia planos de se casar com aquela, que seria sua primeira e ultima namorada, que ele gostaria que fosse mãe de seus filhos e que dividisse o guarda-roupa com ele até a morte.

Mas não aconteceu assim.

Numa tarde chuvosa, ela a telefonou, dizendo que precisavam conversar.

Ele foi ao seu encontro, mas não gostou do que viu.

Ela saia de um conversível vermelho, onde ao volante, jazia um jovem vestido inteiramente de branco, com dentes brilhantes a mostra e um cabelo impecavelmente penteado.

Ela veio lhe dizer, que conhecera aquele jovem na faculdade onde estudava, e que sendo ele médico cardiologista, soube perfeitamente tocar seu coração.

E assim, virou as costas,e saiu, sem ao menos um abraço de Adeus.

Ah, como aquilo o machucou.

José achou que não viveria nem mais um segundo longe daquela que lhe ensinou a amar.

Achou que o problema estava com ele, que deveria saber mais do interior das pessoas, das coisas que a acometiam e que lhe faziam mal.

Estudou medicina, mas só durante cinco meses.

Era tímido até para tocar nos corpos já encharcados de formol que pairavam sobre a mesa de anatomia.

Então, fez um curso farmacêutico, onde aprendeu a cura, ou a prevenção, de milhares de tipos de doença, e aprendeu que a cada dia, surge uma nova doença, seja ela psicológica ou física, que fica sem explicação.

Assim, começou a se automedicar, para saber o que as pessoas sentiam quando o faziam, estando elas com gripe, viroses, chagas ou qualquer tipo de doença que lhe viesse à mente.

Começou então, além de se automedicar, a se achar doente, mesmo quando a vitalidade lhe saltava dos poros.

Assim, cada dia era um remédio diferente que precisava tomar, e juro por Deus, como ele o fez durante três anos seguidos, o ritual dos comprimidos antes de qualquer refeição.

Assim, começou a inventar doenças, e a procurar cura para elas, e a cobaia foi sempre ele mesmo.

Chegou a inventar a síndrome do amor, doença que ele jurava que todos teriam um dia, cujo único antídoto, era uma dose de decepção.

Só que a dose de decepção, causava o gosto amargo da desilusão, e ele não conseguiu inventar remédio para isso.

Assim seguiu José, com seus trinta anos, e já tendo experimentado todo e qualquer tipo de doença que já tivessem citado em artigos científicos, jornais, revistas ou qualquer meio de comunicação.

Até conhecer Lucia.

Ah, como era doce seu olhar.

Lucia era enfermeira de um grande hospital em São Paulo, e tinha vários pacientes sob seus cuidados.

Isso fascinou José.

E ai, começou um amor que parecia eterno.

Ela medicava José quando ele se dizia doente, e discutia com ela por horas a fio sobre doenças novas e curas impossíveis.

Isso fazia com que eles sempre tivessem sobre o que falar.

E isso durou anos, fez bodas de prata, de ouro, e de qualquer outro mineral que seja valioso demais para se achar no quintal de casa.

E de tantos cuidados que Lucia lhe dedicava, José acabou por se curar da hipocondria.

Chegava até a dizer as vezes a esposa:

- Ah mulher, não se fazem mais remédios como antigamente.

Sua timidez se esvaiu ao lado da esposa, e assim foi até o fim de sua vida.

Morreu nos braços de Lucia, que lhe dizia que a morte não tinha mesmo cura, mas que o amor que sentiam lhe era forte antídoto.

Assim, José descansou em paz, mas antes de ir, pediu a Lucia que não deixasse que descobrissem a cura para a morte, pois era a coisa mais linda da vida.

Lucia chorava sobre seu corpo quando seus olhos se fecharam.

Em seu cortejo, compareceram centenas de pessoas, de modo que as ruas da cidade ficaram abarrotadas de gente vestindo branco.

O único velório em que ninguém trajava a cor do luto.

Todos de branco.

E os médicos diziam que fora bravo aquele homem que auto-adoeceu para curar a doença dos outros.

Disseram que ele morreu de forma natural.

Mas quem via a tranqüilidade que havia em sua face na hora de tua morte, jurava que ele tinha tomado umas cinco ou seis cartelas de benzodiazepínicos