UM PIT STOP NO DIVÃ

O pragmatismo me ensinou que quando se sabe usar com competência a expressão “muito prazer”, normalmente as coisas evoluem satisfatoriamente. Assim, apresento-me como um carioca nascido em 24 de outubro de 1946, filho de uma família de classe média – pai funcionário público e mãe do lar.

Desgraçadamente um câncer me separou de minha mãe muito cedo. Eu tinha menos de um ano de vida. Aos 11 ganhei de meu pai um presente de grego – uma madrasta sobre quem, em respeito à memória dele e ao reconhecimento de seu direito de escolher companhias, é melhor nada falar.

Quanto a ele, foi um homem que construiu a base de seu sucesso sozinho, estudando nas viagens de trem que diariamente fazia entre o subúrbio de Marechal Hermes, onde morava, e o Centro da cidade, onde trabalhava. Graças ao seu autodidatismo, construiu uma carreira brilhante a partir de sua graduação em Direito (1º lugar de sua turma), tendo ingressado na Polícia Civil por concurso público (pra variar, outro 1º lugar), atingindo o posto máximo da carreira – Delegado de Polícia, numa época em que a ascensão profissional só era possível pelo caminho do concurso interno, tendo sido o primeiro Delegado de Polícia diplomado pela ESG (Escola Superior de Guerra), autor de livros técnicos das áreas policial e de Direito Penal, tendo sido prefaciado por ninguém menos que o eminente Prof. Miguel Reale, um dos ícones do Direito pátrio; foi também fundador da Academia de Polícia e Prof. Titular de Direito Penal da antiga Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, atual UFRJ.

Por ter vivido uma infância e uma adolescência de dificuldades, desde cedo meu pai quis desenvolver em mim o prazer pela leitura, caminho que julgava como único para construir uma carreira sólida. Pobre homem! O Presidente Lula já provou que não é bem assim...

A despeito da excelência de sua bagagem, não logrou êxito. Desconhecia por completo a fisiologia da complexa maquina humana (tema que nosso molusco domina). Não soube investigar as razões da rebeldia de seu filho. Menino suburbano está ligado é em futebol de rua, bola de gude, pipa e balão. Naquela época, Stephan Zweig soava, para mim, como algo onomatopéico – nada além de simples espirro de alemão...

Sendo um produto do meio, como todos, herdei uma curiosidade intelectual significativa e a partir de meus 20 anos aproximadamente, passei a ser um devorador de letrinhas. Logo saquei que, através da leitura, teria acesso a contatos valorosíssimos com cucas brilhantes, o que foi de capital importância para minha formação em permanente construção. O resultado prático de tudo isso é parte integrante de outro texto – meu currículo profissional.

Tive o privilégio de uma educação planejada. Estudei em instituições privadas de elevado prestígio. Meu Clássico foi concluído no Liceu Franco-Brasileiro, onde o francês era língua corrente. Em paralelo ao curso, ainda estudava inglês no Oxford e francês na Aliança Francesa. O acesso à universidade não foi difícil e me graduei em Administração pela Universidade Gama Filho. Aos 28 anos já estava atuando num grupo de trabalho responsável pela transformação de uma autarquia em empresa pública, por indicação do SERPRO, onde ingressei por concurso sem saber quem ficou com o segundo lugar, após ter concluído uma especialização na FGV. Motivado pelo sucesso profissional que avistava, me precipitei e cometi o erro mais comum na pós-adolescência – casei. Casei e me mudei para Brasília. A vida foi generosa comigo. Deu-me três maravilhosos filhos, quatro netos e uma ex-esposa que reconheço ser uma mãe por demais dedicada.

A proximidade física com o Poder despertou em mim uma série de sonhos não concretizados. Entre eles, o de me tornar político profissional. Em pouco tempo estava trabalhando no Congresso Nacional; em seguida, acumulei as Editorias de Economia e Política do jornal Notícias da Capital. O jornal já fechou, mas tenho exemplares de algumas de suas edições em meu arquivo. Ainda na imprensa, redigi artigos como colaborador dos jornais da Associação Comercial de Brasília e de Taguatinga, uma de suas cidades satélites; como administrador, trabalhei na SEPLAN – Secretaria de Planejamento da Presidência da República na condição de Consultor Especialista e fui professor da UPIS – União Pioneira de Integração Social e da Faculdade Católica de Ciências Humanas, ambas em Brasília.

Ainda em Brasília curti o sabor de empresariar algumas atividades: sem ser advogado, montei um escritório de advocacia e, para minimizar meus custos de consumo em irracional ascenção na fase "dor de cotovelo", comprei um boteco que logo tratei de mudar de nome. O careta "Recanto" deu lugar ao charmoso "Le Botequin". O escritório funcionou muito bem, pois estava sob a batuta de excelente advogado, o Dr. Severo Neto, que em pouco tempo se tornou Juiz. Já o Le Botequin....... Bem, O Le Botequin me proporcionou grandes alegrias. Primeira a de não ter de meter a mão no bolso p/ curtir uma boa noitada; a outra foi quando o vendi. Essa experiência me proporcionou o sentimento vivido por All Newhart, que em seu livro Confissões de um Filho da Puta, relata como conseguiu sair da condição do menino mais pobre, da cidade mais pobre, da família mais pobre, do estado mais pobre (Dakota do Sul) do país mais rico do mundo e se tornar dono de um império de comunicações (USA TODAY) onde, em determinado momento, defende a tese de que, para ser bem-sucedido no mundo empresarial, o cidadão precisa experimentar o sabor amargo de uma falência. Felizmente não concluí esse capítulo, visto que antes que a tragédia se consumasse, vendi o Le Botequin.

Mas o fato é que tudo isso só foi possível graças a um vício – o da leitura. Aprendi a ver, no ato de ler, uma via de mão dupla da comunicação. Sempre travando com o autor do texto em apreciação, uma saudável discussão manifestada por anotações referentes a cada item merecedor de minha reflexão.

Mas devo admitir que essa bagagem não contempla, apenas, leitura. Também sou muito grato à boemia e ao meu estilo informal de ser. Conversar é algo que me dá imenso prazer. Conversar sempre. Com pessoas de qualquer nível e em qualquer ambiente, curtindo a cerveja tomada no pé-sujo da esquina ou os sofisticados drinques servidos nos salões, passando pelos agradabilíssimos piano-bares de Copacabana, Ipanema e Lagoa; os inúmeros papos travados nos diversos botecos por onde ando e andei (Rio, São Paulo, Brasília, Paris, Madri, Lisboa, Roma, Milão, Mônaco, Barcelona, Amsterdã, Bruxelas, Curitiba, Palmeira, Ponta Grossa, Irati, Ipameri, Cristalina, Padre Bernardo, Lusiânia, etc.) e até mesmo nas diversas salas de bate-papo da internet. O cumprimento desse périplo fez de mim um bom ouvinte e um homem antenado, apurando minha capacidade analítica. Gente é gente em qualquer lugar. Há ignorantes e doutos em tudo que é canto.

Quer coisa melhor?

Dom AFONSO
Enviado por Dom AFONSO em 28/02/2008
Reeditado em 06/03/2012
Código do texto: T879394
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