Evolução/involução

EVOLUÇÃO/INVOLUÇÃO

Gilda Porto

Quando o óvulo (célula unitária) é fecundado por um agente externo chamado espermatozóide começa a evolução do ser, através da meiose. A unidade se multiplica, sucessivamente, formando o feto humano no ventre materno. Após o nascimento a criatura continua sua caminhada, evoluindo, crescendo, até chegar à idade adulta. Dizem os cientistas que isto ocorre, na parte física, por volta dos 25 anos. Com o emocional, é uma outra história. Muitos permanecem na infância e, por várias razões, não alcançam este nível. A evolução física se completa nesta ocasião. Tudo é efervescência, tudo é festa. Os hormônios sexuais estão borbulhando e provocando explosões vulcânicas. É muito difícil separar os diversos campos. A vontade de aproveitar o agora é imensa e pensar no futuro profissional, financeiro e emocional, com as realizações amorosas, é um peso que queremos descartar. O amanhã parece tão distante e o hoje tão divertido. O dia não tem apenas 24 horas e muitas vezes eles se emendam sem o repouso da noite, como acontece nos festejos momescos. Oficialmente seriam três dias. Na Bahia duram o ano todo. Inventam Carná-folia, Trios Elétricos, Bloco do Batata, para que os garçons que trabalharam no Carnaval possam também aproveitá-lo. E são desfiles de Escolas que, no Rio de Janeiro, acontecem no domingo e segunda de Carnaval, mas, se contarmos os ensaios e as comemorações de vitória, duram uns seis meses. De um modo geral, todos são contagiados por essa alegria e extravazamento, às vezes um pouco exagerados. Mas faz parte deste contexto da evolução a que me refiro.

Dizem ainda os estudiosos que, a partir deste auge do crescimento, algumas células começam a se degenerar, lentamente no princípio, acelerando sua degenerescência a partir da menopausa ou andropausa. Antes desse momento, ainda na plenitude das suas capacidades e realizações, começa o que eu chamo de involução. Uma volta ao interior, ao começo e à razão de tudo o que eu sinto e sou hoje.

Ao chegar à maturidade, curiosa que sou, comecei a indagar quem, de fato, no íntimo, eu era. Em que espécie de pessoa eu me tornara. Não obtive muitas respostas, mas verifiquei que certas reações e atitudes automáticas não me agradavam. Estabeleci metas comportamentais e comecei a trabalhar nelas. Defini que era fundamental possuir força de vontade. Para isso, treinei-me em adiar o prazer. Li em algum lugar que pessoas obstinadas sabem esperar para realizar seu desejo. Certamente serão vitoriosas em seus planos. Determinei que acordaria cedo, embora meu corpo permanecesse adormecido até mais tarde. Para evitar que isto acontecesse, marcava o despertador para tocar às sete horas da manhã. Estabeleci uma rotina saudável, abrangendo tanto a alimentação quanto o exercício físico (uma caminhada diária). Na vida moderna, as pessoas bem informadas conhecem o básico do manejo de um computador: sabem digitar, entrar na internet, fazer pesquisas essenciais, acessar e enviar e-mails. Fiz a minha parte. Acompanhei o progresso tecnológico e comprei DVD, máquina fotográfica digital e celular. Claro que não bastava adquiri-los. Era preciso saber utilizá-los. Com dificuldade, recorri aos sobrinhos e outros jovens, detentores do conhecimento, desde a mais tenra infância, de como funcionam esses misteriosos objetos. Empenhei-me em ser uma criatura contemporânea, moderna, perfeitamente entrosada com o mundo atual, de última geração, de ponta. Termos, aliás, que acho o “supra-sumo” e resumem o ideal, para mim.

A evolução estava completa. Completa? Então por que me sentia insatisfeita e meus relacionamentos deixavam tanto a desejar? Por que, à noite, passei a ter insônia e questionamentos? De que adiantara a exigência de perfeição a que me submetera até então?

Foi quando eu resolvi que os rabiscos que fizera durante toda a vida teriam que vir a público. Decidi lançar um livro, que chamei de “Retalhos”. Pedaços de mim que foram sendo compilados ao longo deste tempo. Havia crônicas, fábulas e poemas. Filosofia, pensamentos e amores bradados ao vento. A aparência física e emocional da pessoa que eu era estava completa e, no entanto, era muito misterioso o meu comportamento em certas ocasiões. Eu precisava abandonar o exterior visível e partir para uma exploração ao centro do meu universo interior. É complicado, difícil, desafiador e perigoso, empreender esta aventura solitária e cujo término é indefinido e imponderável. Senti-me um Julio Verne na sua aventura ao centro da terra, sem parâmetros ou mapas para guiar-me. A minha "involução" foi árdua e demorada, mas hoje acho que tudo, absolutamente tudo, valeu a pena. Conheci as razões que me fizeram determinada e pelas quais eu precisei tornar-me independente. São as minhas razões, e não servem de guia para qualquer outro, pois cada um tem o seu caminho e, apesar de todos terem uma cabeça com dois olhos, um nariz, uma boca e duas orelhas, somos os únicos com aquele formato de crânio, cor de olhos e espessura de lábios.

A evolução e a involução se completaram, mas a vida é tão maravilhosa que desejo continuar, enquanto tiver fôlego, minha caminhada lá dentro e cá fora, no mundo exterior, onde também tenho a oportunidade de presenciar muita mudança que não seria classificada de evolução ou involução, mas uma verdadeira "revolução". É bom viver e deixar viver!

Gilda Porto
Enviado por Gilda Porto em 04/03/2008
Código do texto: T886999
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